A avaliação do ar feita em uma ilha do Havaí, no dia 9 de maio, disparou um alerta para o mundo. Pela primeira vez desde 1958, quando as condições atmosféricas começaram a ser monitoradas no observatório de Mauna Loa, no meio do Oceano Pacífico, a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera alcançou a marca de 400 ppm (partes por milhão, equivalente a 400 mililitros de CO2 por metro cúbico de ar). O número demonstra o crescimento das emissões de gases apontado pela chamada curva de Keeling, a pesquisa mais importante das últimas décadas sobre a correlação entre aquecimento global e emissões de CO2.
O observatório de Mauna Loa é situado na maior ilha do arquipélago do Havaí e é uma das estações de monitoramento das mudanças climáticas mais importantes do mundo: a sua posição, localizada a 3,4 mil metros de altitude no topo de um vulcão, é considerada ideal, pois a influência da vegetação e das atividades humanas é reduzida ao mínimo.
Com a divulgação dos dados pelo National Oceanic and Atmospheric Administration, é de se esperar que a discussão sobre os gases de efeito estufa esquente na Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, que reunirá pesquisadores entre os dias 3 e 14 de junho em Bonn, na Alemanha. "O que a política deve fazer são duas coisas", diz Fábio Feldmann, ambientalista e um dos fundadores do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. "A primeira é mitigar os efeitos dos gases lançados na atmosfera, pois é evidente que já ultrapassamos o limite prudente; e a segunda é a chamada adaptação, ou seja, prepararmos a sociedade para os desastres naturais que ocorrerão nas próximas décadas."
Apesar de a situação ser muito grave, segundo Feldmann, os chefes de estado não tomaram plena consciência da urgência do problema, tanto em escala global, quanto no setor empresarial. Para efeito comparativo, os níveis de gás carbono antes da Revolução Industrial não ultrapassavam o marco de 278 ppm. De 1780 até hoje, houve um crescimento de 43%. "É um dado muito relevante, pois ocorreu em um prazo muito curto", enfatiza Jefferson Cardia Soares, diretor do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
"Esse dado confirma as previsões da comunidade científica sobre o aquecimento da atmosfera e a consequente ocorrência de fenômenos climáticos extremos", pondera. Segundo Soares, se não houver uma mudança radical das políticas globais de redução de emissões, a tendência é que a curva de Keeling continue crescendo e que alcance os 500 ppm nos próximos 20 anos, com consequências dificilmente calculáveis para a humanidade.
EstudosCientistas fazem sua parte ao alertar o mundo, diz ambientalista
"A marca atingida é mais que um marco psicológico e demonstra o esforço da comunidade científica em alertar a política que está na hora de agir", afirma Fábio Feldmann, ambientalista e um dos fundadores do Fórum de Mudanças Climáticas. "Não devemos esquecer que o nosso objetivo é manter o aumento da temperatura global até o final de século abaixo de 2°C. Se ultrapassarmos esta marca, a humanidade terá de enfrentar gravíssimos desastres naturais."
De acordo com Carlos Clemente Cerri, professor de Agricultura e Aquecimento Global da Universidade de São Paulo (USP), o olhar sobre a questão do efeito estufa deve ser ampliado. "Esse dado em si, isolado, não significa muito, é preciso levar em conta um conjunto de fatores. O Brasil, por exemplo, está, de um lado, reduzindo a taxa de desmatamento, mas do outro continua aumentando os consumos e a queima de combustíveis fósseis." Mesmo assim, complementa, é um dado "confiável, pois a coleta é feita através de balões meteorológicos e satélites". "Os gases têm uma dispersão muito grande na atmosfera e o observatório no Havaí é uma referência global." (AT)