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RIO+20

As duas faces da Cúpula dos Povos

Boa parte dos protestos no Riocentro partiu da Cúpula dos Povos: reivindicações específicas | Christophe Simon/ AFP
Boa parte dos protestos no Riocentro partiu da Cúpula dos Povos: reivindicações específicas (Foto: Christophe Simon/ AFP)
Existem 300 pontos de venda espalhados pela Cúpula dos Povos: fervor mercantilista |

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Existem 300 pontos de venda espalhados pela Cúpula dos Povos: fervor mercantilista

Enquanto um enorme aparato de segurança cerca os chefes de Estado concentrados na redoma que se formou na Rio+20, nenhum policial foi avistado pela reportagem nas duas vezes em que a Gazeta do Povo esteve no Aterro do Flamengo, onde é realizada a Cúpula dos Povos. Mas o clima é de paz. Uma multidão vinda das mais diversas partes do Brasil e do mundo se encontra em tendas nas redondezas do Museu de Arte Moderna. É desse espaço dominado pelos movimentos sociais que saem todas as grandes manifestações que se espalharam pelo Rio de Janeiro nos últimos dias. A Cúpula dos Povos é um evento de base, voltado para as pessoas. Centenas de reuniões e debates são realizados no espaço, que é aberto a quem quiser participar, ouvir ou contribuir. Há um distanciamento físico e político das discussões travadas no Riocentro, que abriga governantes e diplomatas. Cerca de 45 quilômetros e um trânsito caótico separam os dois lugares, mas as diferenças não param por aí. A Cúpula dos Povos termina amanhã.

Um ambiente que transpira vida e paixão

Se na reunião de chefes de Estado no Riocentro quase ninguém está disposto a mudar coisa nenhuma, na Cúpula dos Povos os participantes acreditam que podem transformar o mundo. A ideia que transpassa todo o evento popular é a de empoderamento da pessoas. É a noção de que as mudanças não são consistentes se partirem de cima para baixo e que o povo tem o poder de pressão. A sociedade ganha voz. O ambiente no Riocentro, por vezes, parece tomado por seres robotizados. Já a Cúpula dos Povos transpira vida. Ao ar livre, tudo é menos mecânico e padronizado. É onde o automóvel não tem vez e o espaço é dos pedestres e dos ciclistas.

A diversidade de assuntos e causas defendidas é o ponto forte e ao mesmo tempo o calcanhar de Aquiles da Cúpula. Com tantas atividades acontecendo ao mesmo tempo, a impressão é de que cada grupo está mais preocupado apenas com suas próprias causas e o conceito de integração se perde um pouco. A lógica intrínseca é de que tudo está ligado. Se desenvolvimento sustentável considera os aspectos social, econômico e ambiental em prol do bem-estar de todos no planeta, quase toda a gama de movimentos sociais se sentiu chamada a participar da Rio+20. Desde os que defendem que o problema do mundo é a devastação que ocorre dentro das pessoas – seja pela alimentação inadequada, seja pela falta de espiritualidade – aos que têm reivindicações bem específicas, como a regulação da propaganda direcionada ao público infantil.

Rosana Vicente Gnipper, coordenadora do grupo que ouviu 1.246 paranaenses para saber que ações eles consideravam que deviam ser priorizadas no desenvolvimento sustentável no estado, lamenta apenas que não tenha acontecido um envolvimento maior da sociedade não engajada na Cúpula dos Povos. "Tem tanta gente interessante aqui e estamos falando somente entre nós [pessoas já participantes de movimentos sociais]", diz.

Laços estreitados

A cúpula é o espaço onde os ativistas trocam experiências e conhecem realidades diversas das suas. Moradora de Natal (RN), Beatriz Barbalho conta que conheceu muitas pessoas durante a Cúpula dos Povos. Centenas de quilômetros separam sua terra natal da dos povos indígenas do Alto Xingu, na Amazônia, com quem ela teve a oportunidade de trocar informações.

"Isso aqui é uma confluência de pessoas. São muitas bandeiras hasteadas. A gente tem a tendência de achar que a nossa é a mais bonita, que deve estar levantada sozinha, mas não é assim. O que o mundo precisa é desse respeito pela diversidade", comenta. A ativista potiguar integra o movimento Permacultura, que defende que é possível viver em comunidade de forma sustentável. Para ela, o evento popular é relevante porque reúne as pessoas que sentem diretamente na pele os reflexos dos problemas socioambientais.

Mercadão oferece de bolsa a camiseta

Ativistas messiânicos que pregam a redução do consumo como única saída ambientalmente correta teriam ímpetos de implodir a Cúpula dos Povos. A reportagem contou mais de 300 pontos de vendas de produtos no lugar em que ocorre o segmento popular da Rio+20. É mais do que o número de espaços destinados ao debate dos problemas ambientais. E mais do que a quantidade de lojas de um grande shopping. Não existe uma estimativa oficial, mas muito dinheiro está circulando entre as tendas da Cúpula dos Povos.

Índios-comerciantes são atrações e fazem pose de garoto-propaganda. Vendedores de alimentos orgânicos e de artesanato dividem espaço com muitos ambulantes cariocas que oferecem sombrinhas e saídas de praia com imagens turísticas do Rio de Janeiro, miniaturas do Cristo Redentor e cerveja gelada. Palavras de ordem são gritadas ao mesmo tempo em que promoções são anunciadas aos berros.

Não são poucos os ambientalistas descontentes com o fervor mercantilista dentro da Cúpula dos Povos. Para eles, os debates, que devem ser o foco do evento, muitas vezes ficam em segundo plano diante dos atrativos da venda – resultando na dispersão de público e ativistas, que passam a destinar mais tempo para o comércio do que para as discussões que poderiam travar perambulando de tenda em tenda.

De tudo um pouco

Para muitos participantes, a Cúpula dos Povos é uma oportunidade de financiar os movimentos sociais e ainda vender para um público diferenciado, que valoriza produtos artesanais ou feitos de materiais reciclados, incentiva o valor agregado pela manufatura e dispensa atravessadores. Bolsas, roupas, colares e artigos de decoração estão em estandes, barraquinhas e também espalhados pelo chão ou pendurados em varais, numa profusão de materiais e cores. E tal qual uma feirinha, o povo faz fila para ver, pechinchar e comprar.

Representantes de movimentos que questionam o consumo exacerbado criticaram a organização do evento por causa da lógica de mercado instalada na Cúpula dos Povos. "Mas também reconhecemos que são, na maioria, produtos artesanais que são a fonte de sobrevivência dessas pessoas. Mas realmente tem consumo demais", comenta Sônia Braz, representante do Rio de Janeiro no Fórum Brasileiro e no Conselho Nacional de Economia Solidária.

Em todas as manifestações que partiram da Cúpula dos Povos, o discurso vigente foi o de que a vida não pode ser tratada como mercadoria. Mas é lá onde a Rio+20 virou camiseta à venda.

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