Quem foi
Gerdt Hatschbach formou-se em Química na Universidade Federal do Paraná em 1945 e fez seu pós-doutorado na mesma instituição em 1986. Pesquisador dedicado, fundou o Museu Botânico Municipal em 1965 e trabalhou regularmente até os 70 anos. Casou-se com Maria Magdaura em 1972 e com ela viveu até o fim da vida. Nos últimos três anos, se afastou do batente, mas não abandonou a paixão pela botânica. Deixou mulher, não teve filhos, mas tem o reconhecimento de amigos e colegas de profissão.
O corpo está sendo velado na capela 3 do Cemitério Municipal São Francisco de Paula e o enterro está marcado para hoje, às 11 horas, na Comuna Evangélica Luterana (R. Ivo Leão, 205, Alto da Glória).
Perfil: Gerdt, o menino do dedo verde
José Carlos Fernandes
O estudante Ralf Kyrmse tinha imberbes 17 anos no dia em que recebeu sua primeira convocação para comparecer à sede do Exército Brasileiro da Rua Carlos Cavalcanti, onde hoje está o Solar do Barão. Não foi doido de amarelar, do que não se arrepende. Hoje, com as pernas bambas por outro motivo o peso de seus 85 anos Ralf ainda acha graça do que viu: 30 e tantos gurizotes como ele, cabeça baixa diante dos coturnos, recebendo um pito e a recomendação de que não mais escalassem a Serra do Mar, sob pena de ganharem temporada de férias no Ahú.
Malpighiaceae byrsonima Maria
A história do casal Gerdt e Maria foi tema de uma coluna de José Carlos Fernandes: relembre.
Uma pesquisa rápida no Índice Internacional de Nomes de Plantas (IPNI, na sigla em inglês) mostra mais de 200 resultados para espécies com nome Gertii ou Hatschbachii ou dos gêneros Hatschbachia e Hatschbachiella. O motivo para tantos resultados é uma homenagem à dedicação do botânico curitibano Gerdt Guenther Hatschbach, que morreu ontem, aos 89 anos, de infecção generalizada.
Se a dona Maria Magdaura perde seu marido e grande companheiro, a ciência perde um de seus mais dedicados profissionais. Hatschbach deixa como legado a coleta de mais de 80 mil plantas, entre elas cerca de 500 espécies até então desconhecidas da ciência.
A paixão pela botânica também foi compartilhada com aqueles que quiseram aprender. Em resumo, foi um grande mestre, mesmo que avesso à academia. "Ele tinha paciência para ensinar quem tinha interesse em aprender e sempre incentivava a todos. Devo a ele tudo que aprendi sobre botânica", conta o herdeiro do trabalho de Hatschbach, o curador do herbário municipal, Osmar dos Santos Ribas.
Trabalho
Por compartilhar seu conhecimento, Hatschbach deixou uma forte semente no Museu Botânico Municipal, fundado por ele em 1965. "Temos uma equipe boa e bem treinada, que continua desenvolvendo o trabalho dele", diz Ribas. No espaço, há um Centro de Informação Botânica e um Herbário com aproximadamente 400 mil exsicatas plantas secas identificadas e preservadas do Brasil e exterior.
Mesmo com a saúde comprometida, Hatschbach não deixava de frequentar o museu que fundou. "Ele chegava cedo, às 6h30, para começar a trabalhar", lembra a bióloga Clarisse B. Poliquesi, que trabalha no local há 32 anos. O hábito de partir para a labuta cedo foi incorporado por ela, que lembra da grande paixão do botânico: coletar e descobrir novas plantas. "Ele foi o maior coletor de plantas do Brasil e um dos maiores do mundo", diz.
Para o professor de botânica da UFPR Paulo Henrique Labiak Evangelista, o maior legado de Hatschbach é a sua pesquisa e contribuição para a história natural e botânica, paranaense e brasileira. Como sua pesquisa iniciou em uma época em que havia mais cobertura vegetal natural no estado, suas anotações traçam um panorama do passado e presente, mas também servem como guia para o futuro no que diz respeito à preservação. "Ele tinha um viés internacional, parceria com pesquisadores do mundo todo, o que destaca o conhecimento que temos aqui", afirma.
Colecionador "de tudo", Gerdt era calmo e humilde
Menino do Dedo Verde, como era chamado, Gerdt Htschbach é descrito como uma pessoa calma, tranquila e humilde. Apaixonado por botânica, e por coletar plantas, era também um colecionador. "Ele colecionava um monte de coisa: rótulos de vinhos, selos de cartas. A esposa ainda coleciona cartões telefônicos", conta o sobrinho Joel Morais da Silva, funcionário mais antigo do Museu Botânico Municipal: trabalha no local há 37 anos.
"Além de ser meu tio, era um grande professor para mim. Não sou botânico de formação, mas me considero botânico pelo tempo que trabalhei com ele, 34 anos", conta Silva, que é filho de uma irmã de Maria Magdaura. Silva foi um dos grandes companheiros de viagem de Hatschbach, talvez só perca para a própria tia, já que o casal era muito unido.
As viagens ainda eram frequentes, embora não fossem longas expedições. Hatschbach ainda pedia à família que o levasse passar um dia no litoral ou no interior, para que não ficasse em casa. "A paixão dele era viajar e procurar novas espécies. Sua alegria era descobrir algo até então desconhecido", conta o sobrinho.
Os colegas de trabalho lembram-se dele como uma pessoa pacata, calma e reservada. "No museu, era rígido, cobrava bastante os funcionários. Nas viagens, era um grande amigo", comenta o curador do herbário municipal, Osmar dos Santos Ribas. A timidez era outro traço de sua personalidade. "Ele era uma pessoa humilde e tímida. Nunca se vangloriava do que fazia e isso só faz ele ser maior ainda", comenta o professor da UFPR Paulo Henrique Labiak Evangelista.
Nos últimos tempos, a saúde começou a minguar. No coração, um marcapasso. Na cabeça, confusão: às vezes se esquecia dos nomes de plantas ou das pessoas com quem estava conversando. Passou o último mês visitando o hospital. Primeiro por um problema de alimentação, depois com uma pneumonia. As visitas à UTI ficaram mais frequentes e na madrugada de ontem não resistiu: sucumbiu a uma insuficiência respiratória aguda. E partiu.
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