O menino de dois anos que teve cerca de 30 agulhas introduzidas no corpo não foi vítima de um rito religioso, mas possivelmente de um crime passional, afirma o antropólogo Cláudio Luiz Pereira, da Universidade Federal da Bahia, que estuda casos de sacrifícios envolvendo crianças em rituais.

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Segundo a Polícia Civil de Ibotirama (643 km de Salvador), Roberto Carlos Magalhães Lopes, que vivia com a mãe do garoto havia um ano e meio, disse em depoimento que o crime ocorreu em rituais de magia negra com a ajuda da amante e uma mãe-de-santo.

As sessões, diz a polícia, eram uma forma encontrada pelo suspeito para se vingar da mãe que, segundo a versão, não o deixava viver com a amante.

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Para o antropólogo, é preciso cuidado ao relacionar o crime a rituais, já que esses envolvem técnicas e meios para se obter um fim e contam sempre com um sacrificante (filhos dados como oferenda, por exemplo) e os sacrificadores (executores).

"Neste caso, não estão claras essas peças. O que parece é que a crueldade foi motivada pela honra, como consequência de dor de amor de alguém que passava por sofrimento psíquico."

Para Pereira, houve um esforço dos suspeitos para caracterizar a ação como um ritual. No entanto, os elementos usados parecem "aleatórios", segundo ele, já que misturavam agulhas – "ferramenta’’ do vodu, usada para espetar bonecos similares à "vítima" – com balas (para atrair a criança) e água benta, elemento do catolicismo. O pesquisador afirma não haver sentido punir a criança como se ela correspondesse à mãe.

Outros casos

Pereira é autor de uma tese de doutorado feita a partir de um caso, ocorrido em Salvador, em abril de 1977, que resultou na morte de oito crianças, lançadas ao mar para os tubarões como sacrifício. Os algozes eram líderes de uma comunidade messiânica composta por 32 pessoas que acreditavam que a morte das crianças era uma exigência de Deus.

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Após julgamento, relembra o autor, os mentores foram internados em manicômios e depois soltos. A condenação na Justiça não ocorre porque, nesses casos, os autores são considerados doentes mentais – e, portanto, inimputáveis.

Marcelino Gomes de Jesus, religioso de um terreiro de candomblé em Cachoeira (BA), diz haver "preconceito e desinformação" sobre religiões afro no país, que trabalham em rituais com folhas, água e comida, sem machucar ninguém.