O menino de 2 anos que teve dezenas de agulhas inseridas no corpo poderá ter de passar o resto da vida com algumas delas no organismo. Ele deve ser submetido a uma cirurgia para a retirada dos objetos que comprometem órgãos vitais. No entanto, médicos ouvidos pelo portal G1 afirmam que as agulhas que não ameaçam a saúde deveriam ser mantidas para evitar o risco de alguma complicação.
Professora do departamento de cirurgia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a médica Simone de Campos Vieira Abib contou que já atendeu uma criança que sobreviveu a um caso semelhante. "Nenhuma agulha precisou ser retirada porque todas estavam longe de estruturas vitais. Não foi necessário mexer", diz.
Mas a médica afirma que, se o objeto estiver perto de um grande vaso ou órgão, deve ser removido. Ela ressalta que é preciso avaliar o dano que as agulhas causaram, não necessariamente a presença delas no corpo. "É possível que a retirada delas seja muito mais traumática. É preciso mover tecidos até chegar à agulha, o que danifica as estruturas na tentativa de achá-la dentro de um músculo, por exemplo. Não é só puxar", afirma.
O médico Uenis Tannuri, professor titular de cirurgia pediátrica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), explicou que não há urgência em retirar as agulhas da criança. Ele concorda que somente aquelas que representam risco devem ser retiradas, como as que estão próximas a órgãos vitais.
"Algumas estão tão profundas que não causam mal, elas podem ficar lá. A posição de cada agulha deve ser analisada individualmente para que os médicos verifiquem a necessidade ou não da retirada", afirma Tannuri.
Por exemplo, na opinião de Tannuri, a equipe não deve mexer na agulha que está no fígado da criança. "Se ela não está causando nada, então é melhor deixar lá. Os médicos teriam de abrir o fígado, o que vai prejudicar mais do que beneficiar o paciente", diz. Porém, a professora da Unifesp faz uma ressalva. "É preciso ver se a agulha está totalmente dentro do fígado ou se não há uma parte para fora, perto da alça do intestino. Mesmo se a agulha estiver totalmente dentro do órgão, a operação vai depender da posição em que está, se é um lugar próximo a uma artéria ou não", afirma.
O chefe do pronto-socorro do Hospital São Camilo, Edgard Ferreira, concorda que uma intervenção cirúrgica pode provocar danos maiores em alguns casos. "Se o objeto não causar uma consequência mais grave, como infecção ou perfuração de órgãos, os médicos podem adotar condutas mais conservadoras. Às vezes, o procedimento cirúrgico é complicado e pode piorar a situação. Os médicos devem observar a evolução do caso através de exames e avaliar se a cirurgia é mesmo necessária", diz.
Mesmo em caso de objetos pontiagudos, Ferreira explica que é melhor observar como esse corpo se comporta no organismo e fazer uma série de exames antes de qualquer decisão. Porém, a equipe médica deve ficar atenta a sinais de rejeição. "Quando esses objetos são introduzidos, podem levar junto bactérias que causam infecção. Nesses casos, é preciso remover", diz.
Leve alteração
Tannuri ressalta que as agulhas não caminham pelo corpo, conforme a crença popular, apenas quando entram na corrente sanguínea. "Com o crescimento do menino, a posição delas pode sofrer ligeira alteração, mas não vão andar pelo corpo."
Já Ferreira defende que as agulhas sejam acompanhadas para que não se desloquem por causa do próprio movimento e crescimento do corpo e perfurem órgãos. "Elas permanecem no corpo quando não causam risco iminente. Quando se movem, podem ser passíveis de extração. O ideal é não ter nenhuma agulha no corpo, porque, além de o garoto crescer, ele pode ter reações de rejeição. É todo um cenário que deve ser avaliado com calma."
Maus-tratos
A médica Simone, que também é presidente da ONG Criança Segura, lembra que esse é mais um caso de maus-tratos na infância. "Não sabemos quanto tempo esse menino sofreu. Alguém poderia saber do caso e se omitiu. A omissão das pessoas pode causar a morte de alguém. Temos de estar atentos para denunciar, para preservar a vida das crianças", diz.
Simone ressalta que normalmente crianças que sofrem maus-tratos são constantemente agredidas. "Os prejuízos não são apenas físicos, mas causam também estresse psicológico", afirma.
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