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Pobres moços

Meninos que correm com lobos

O pagode com Arlindo Cruz acontece na quinta | Reprodução www.tcvultura.com.br/bembrasil
O pagode com Arlindo Cruz acontece na quinta (Foto: Reprodução www.tcvultura.com.br/bembrasil)

Há pelo menos duas anedotas envolvendo os jovens que moram na periferia de Curitiba. Uma diz que não lhes falta oportunidade na vida. Eles podem escolher entre os inúmeros botecos e igrejas que brotam feito tiririca em cada esquina. Não é mentira. Basta circular nas ruas comerciais emergentes de regiões como Bairro Novo ou Tatuquara para confirmar.

A reportagem fez um tour por uma dessas ruas, no Sítio Cercado, e contabilizou nove bares em 17 quadras – 1,8 boteco por quarteirão. Há de fato fartura de opções tanto para rezar quanto para beber. A outra piada é sobre o destino de quem mora longe e vive na pindaíba. São dois traçados na palma da mão: há os que fugiram da escola e foram para o bilhar e os que fugiram da escola e foram trabalhar.

Para quem não achou graça nenhuma, um consolo: não tem graça mesmo. A imagem dos garotos e garotas de arrabalde, bebendo e jogando sinuca numa tarde de terça ou quarta-feira de batente está longe de ser divertida. Por trás desse cenário se esconde um dos maiores dramas brasileiros – o dos adolescentes pobres que se desgarram da escola, da família e não encontram espaço no mercado de trabalho. Levados pela rua, inúmeros jovens ficam à mercê da informalidade, do subemprego, das drogas e do tráfico – opções que os podem levá-los definitivamente para lugar nenhum.

Pior do que isso, só descobrir que é quase impossível calcular o tamanho do estrago provocado pela exclusão juvenil – um perigo que ronda 34 milhões de brasileiros entre 15 e 24 anos. Para desvendar a quantidade de jovens que a cada ano abraça a máxima "seja marginal, seja herói" seria preciso cruzar um sem-número de dados que descansam em paz na memória de algum computador. Essa conta parece não interessar.

Não se sabe, por exemplo, quantos adolescentes dentre os que cumpriram medidas socioeducativas desembarcaram no sistema prisional depois de terem feito 18 anos. Ou entre os 50% de repetentes até a 5.ª série, quantos retornam à sala de aula, mesmo estando desperiodizados, virando a mesa. Que dirá os motivos de abandono escolar – com folga o estopim da bomba da marginalização do jovem. Sem formação, a moçada ganha seu passaporte para um futuro sem glória. Não é um filme da sessão da tarde.

Em busca de um diagnóstico sobre os meninos do Brasil, a reportagem da Gazeta do Povo fez um painel com sete profissionais que trabalham diretamente com a juventude (leia quadro). A pergunta foi invariavelmente a mesma: diante da quantidade de moços e moças que a cada tempo se perde no meio do caminho, como será o país daqui a dez anos? A resposta foi quase unânime: nem é preciso esperar tanto tempo para saber. Está debaixo do nariz.

Só tem um remédio – sugere Thelma Alves de Oliveira, secretária de Estado da Criança e do Adolescente e presidente do Instituto de Ação Social do Paraná (Iasp): fazer um pacto. "Não acho que nos faltem informações. O que não temos é uma estratégia para lidar com o problema da juventude", opina a secretária, referindo-se à velocidade a jato com que as mudanças se dão, atropelando as políticas públicas antes mesmo que elas criem raízes. Sem um bom programa nacional, que torne evidente para a sociedade o tamanho do estrago e a necessidade de ação rápida, nada feito.

"Os problemas se tornaram maiores. Há alguns anos, não tínhamos o crack, por exemplo. Aí nos deparamos com a indigência de programas de reabilitação. As escolas já assumiram mais funções, há programas nas empresas e nas igrejas, mas as ações são isoladas. Precisamos de integração", alerta a pedagoga Meroujy Giacomassi Cavet, 44 anos, superintendente de Gestão na Secretaria Municipal de Educação.

Há quem siga em marcha atrás das bandeiras levantadas por Thelma e Meroujy. É o caso dos conselheiros tutelares: ninguém conhece melhor do que eles o desfecho da história. O anonimato dos jovens e a ausência de uma política nacional para protegê-los espirra diretamente no trabalho de formiguinha que os conselhos realizam. Diante de uma ficha de abandono escolar, por exemplo, esses profissionais sentem na pele a ausência de programas de inclusão e, o pior dos mundos, a impotência na hora de ajudar a família a lidar com filhos rebeldes, afundados no ócio, na droga, quando não flertando com o tráfico. O ingresso para esse mundo muitas vezes custa uma ficha de R$ 0,50 num bilhar bem perto de casa.

Os problemas de rebeldia e delinqüência juvenil começam a aparecer por volta dos 13 anos, quando muitos adolescentes passam a falar grosso com os pais, desprezam a escola e não poupam elogios à doce vida em companhia de amigos. Não é um privilégio de uma determinada classe, obviamente, mas é inegável que quanto mais pobre, mais difícil de safar. O psicólogo Marcos Serafim Furtado, 31 anos, conselheiro tutelar da Regional da Cidade Industrial de Curitiba (CIC), está há poucos meses no posto, mas já o bastante para arriscar uma estatística: de cada dez jovens sem escola e sem trabalho, ele calcula que três, no máximo, conseguem virar o jogo por conta própria. O prêmio, em geral, não é muito consolador: um subemprego como carrinheiro.

O dado – não confirmado estatisticamente – aponta para Marcos que já passa da hora de pensar políticas públicas voltadas para as famílias. Alguém precisa ajudá-las a lidar com o filho que bate o pé na porta, começa a chegar tarde e avisa que não vai mais para a escola. Por trás dessas atitudes se esconde o problema da drogadição, da evasão escolar e da marginalidade.

Furtado cita o caso da ambulante, cujo filho de 16 anos comia a cada dois dias. Ela não entendia que o garoto estava sob o efeito de drogas. Foram três dias para convencê-lo a se internar, mas o esforço foi em vão: ele ficou horas no ambulatório de um posto 24 horas, até fugir.

A escola também tem uma tarefa de Hércules pela frente. É consenso que o argumento mais usado entre os sem-escola é de que as aulas são chatas e desinteressantes. O mesmo não se diz da rua. Melhor do que lamentar a baixa-estima em torno do ensino é entender a força estranha que atrai para o submundo. Para Meroujy Cavet, no tráfico muitos jovens se sentem incluídos, o que nem sempre acontece na educação. "Eles crescem lá dentro. Sentem-se parte de um sistema inteligente. Isso exerce sem dúvida uma atração", observa.

Saída? Para a educadora, tem uma: que as escolas sejam menos iguais e mais adequadas à realidade onde estão incluídas. Nesse dia e nesse lugar, aposta, os jovens vão se sentir parte das velhas paredes da sala de aula. Vai ser melhor do que o bilhar e do que o sereno – é o que se deseja para os próximos dez anos.

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