Nem a lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas a menores de idade e tampouco as punições atribuídas a quem é flagrado descumprindo a norma têm sido suficientes para evitar que comerciantes continuem vendendo esse tipo de produto a crianças e adolescentes. A comprovação vem dos próprios jovens consumidores, que afirmam ter acesso fácil ao álcool a qualquer hora do dia ou da noite. "Nunca tive dificuldades para comprar bebidas, mesmo sendo menor", conta o estudante Marcos*, de 17 anos, morador do Bairro Alto, em Curitiba.
Segundo ele, alguns amigos já foram barrados em supermercados de grandes redes, mas, na maioria das vezes, conseguiram comprar cerveja e destilados sem qualquer problema em bares e postos de gasolina. Barrado uma vez apenas, quando tentava comprar cerveja em um supermercado de Curitiba, o adolescente Jonas*, de 16 anos, do Fazendinha, confessa que em estabelecimentos menores, geralmente nos bairros, não há qualquer tipo de restrição com relação à venda de bebidas para menores. "Meu primeiro porre foi aos 14 anos, numa festa com amigos", relembra, enfatizando que costuma beber longe dos olhos da família.
De acordo com a pesquisa do Ibope, quase metade dos adolescentes (49%) é levada a beber por influência de amigos. A família é apontada como a segunda grande responsável pela iniciação alcoólica dos jovens. Para a juíza da 1.ª Vara da Infância e da Juventude de Curitiba, Lídia Munhoz Mattos Guedes, o fato de os próprios familiares admitirem e estimularem o consumo de bebidas alcoólicas em casa dificulta o controle e a fiscalização. "Se os pais toleram e consomem bebidas junto com os filhos, como o Estado pode combater essa prática nas ruas?", questiona.
Para a mãe do adolescente Marcos*, o hábito de beber do filho nunca foi incentivado pela família, mas por amigos. Ela conta que ninguém em casa tem o costume de beber e que procura orientar o filho sobre os perigos das bebidas, pois considera que "o álcool é a porta de entrada para drogas mais pesadas".
Para donos de bares, a dificuldade em impedir o consumo de álcool por crianças e adolescentes está na falta de fiscalização e no fato de muitos jovens tentarem burlar a lei. "É comum jovens falsificarem documentos para poder frequentar lugares que impõem restrições a menores", diz o presidente da Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (Abrabar), Fábio Aguayo. Na opinião dele, a fiscalização deveria ser mais abrangente, incluindo ruas, praças e postos de gasolina, onde parte dos menores barrados em bares e casas noturnas se reúne para beber.
Punição
Com base em lei estadual de 2009, quem for flagrado vendendo bebidas alcoólicas para menores de idade recebe uma advertência. Se o estabelecimento for reincidente, o responsável terá de pagar multa de R$ 5 mil, além de correr o risco de perder o registro formal na Receita Estadual, sendo obrigado a fechar o local. Além disso, o artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê pena de dois a quatro anos de detenção para comerciantes que descumprirem a lei que proíbe a venda de bebidas a menores.
Venda de bebidas é restrita em mercados
Algumas redes de supermercado do Paraná têm adotado sistemas de informática e procedimentos no caixa que bloqueiam a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos. Interessada em não se tornar a vilã das estatísticas recentes do Ibope que mostram que 45% dos adolescentes de 12 a 17 anos já experimentaram álcool e que 39% compraram a bebida sem restrições , a iniciativa privada tem adotado medidas para reforçar o cumprimento da lei.
No final de agosto, a AmBev e o Grupo Pão de Açúcar anunciaram o programa Supermercado de Responsa, que envolve um mecanismo prático de bloqueio de vendas: um sistema instalado nos caixas reconhece, por meio do código de barras, a passagem de bebidas alcoólicas. Se o consumidor aparentar menos de 18 anos de idade, cabe ao operador de caixa solicitar a apresentação do documento de identidade para liberar a venda.
O sistema se soma ao procedimento existente na rede Walmart desde 2007. De acordo com o diretor de operações do Walmart Paraná, Elton Brito, o sistema tem se mostrado bastante eficaz nesses quatro anos. "Todos os atendentes da rede receberam treinamento para solicitar a identificação de acordo com a fisionomia do cliente", afirma.
Nas seis lojas do Pão de Açúcar e Extra em Curitiba, os funcionários passaram 15 dias testando o sistema e recebendo instruções para lidar com situações problemáticas. "Focamos no envolvimento e conscientização dos atendentes, pois o sucesso do programa também depende deles", afirmou Ronaldo Alves dos Santos, gerente de uma das lojas do Pão de Açúcar. Ao todo, 395 lojas das redes Pão de Açúcar, Extra e Assaí, em São Paulo e no Paraná, já disponibilizaram o sistema e o treinamento para os funcionários.
Fiscalização
Apesar de estarem sujeitos à lei federal que proíbe a venda de bebidas alcoólicas a menores, os supermercados não são alvos da fiscalização. No Paraná, a Secretaria de Estado da Segurança Pública coordena as Ações Integradas de Fiscalização Urbana (Aifu), uma parceria de diversos órgãos cujo objetivo é fiscalizar e fazer cumprir a lei. No entanto, os supermercados não são o alvo dessas ações que, dentre outras coisas, inspecionam a venda de bebidas a menores de idade em bares, restaurantes e casas noturnas. (CJ)
*Nomes fictícios.
* * * * *
Interatividade
De que formas a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos pode ser inibida?
Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br
As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.