Um mercado negro de documentos está por trás de pequenos furtos que acontecem diariamente em várias cidades do estado. Identidades e cartões bancários são comercializados e acabam sendo usados pela bandidagem paranaense. "Alguns ladrões têm o objetivo único de pegar o documento para passar para o câmbio negro", afirma o delegado Rubens Recalcatti, titular da Delegacia de Furtos e Roubos (DFR). Não existe um valor fixo ou uma tabela de preços para essa documentação. "São vendidos por R$ 50, R$ 100, R$ 200. Depende de quem é o comprador", explica.
Em muitos casos, os papéis são repassados para bandidos que saíram da prisão. Não há uma estatística sobre o número de presos em Curitiba que, no momento do flagrante, apresentaram documentos de outra pessoa. Entretanto, policiais afirmam que essa é uma prática freqüente. "Não temos números, mas é uma boa porcentagem. Existem quadrilhas inteiras que usam esses documentos", afirma o delegado Marcus Vinicius Micheloto, titular da Delegacia de Estelionato e Desvio de Cargas (DEDC).
Inúmeros atos ilícitos podem ser praticados por estelionatários e outros criminosos em posse de documentos de terceiros, como fazer compras com cartões de crédito, abrir contas em nome alheio, conseguir financiamentos bancários e até criar empresas fantasmas para fazer lavagem de dinheiro. Na última semana, a DEDC desmontou um esquema de fraudes que abrangia Paraná e Santa Catarina com a prisão de Gelson Luís Haninec, 39 anos, tachado como o "Rei da Falsificação". Ele recebia documentos furtados e com os dados criava uma documentação fria, com comprovantes de endereço e cheques. Cada papel era vendido a R$ 100 para estelionatários que davam continuidade ao crime.
As vítimas acabam descobrindo que os documentos pararam nas mãos de bandidos somente algum tempo depois quando têm crédito negado ou, pior, quando a polícia as confunde com criminosos.
O administrador de empresas Wágner Silva Campos, 27 anos, não esperava que uma carteira furtada de seu carro, em 31 de agosto de 2002, na Água Verde, lhe rendesse três dias de prisão em 2005 e prejuízos à vida profissional até hoje. Campos lembra que tinha ido visitar um amigo quando a fechadura do veículo foi arrombada. "Por azar, esqueci minha carteira no carro", comenta. Naquele mesmo dia, registrou um boletim de ocorrência em uma delegacia.
Três meses depois, em 28 de novembro de 2002, Campos nem imaginava o que acontecia a 430 quilômetros de Curitiba, em Maringá, no Norte do estado. Dois ladrões de toca-CDs eram detidos por policiais militares no Jardim Universitário após furtar quatro veículos. Um deles apresentou documentos falsificados com o nome de Campos e, após pagar uma fiança, conseguiu responder o processo em liberdade. "Como meu nome era limpo, ele conseguiu sair, deu endereço e telefone falsos para a polícia e depois sumiu do mapa", conta o administrador.
O bandido foi intimado pela Justiça. Como não deu nenhum retorno, um mandado de prisão foi expedido em nome de Campos. Por volta das 4 horas de 19 de março de 2005, madrugada de um sábado, o administrador foi parado em uma blitz policial no bairro Campina do Siqueira, em Curitiba. "Checaram meus documentos e o sistema apontou que havia um mandado de prisão contra mim. Fui detido e me levaram para o Centro de Triagem da Travessa da Lapa", lembra Campos, que passou quase três dias preso. O advogado Paulo Marcelo Seixas explica que, pelo fato ter acontecido em um final de semana, o juiz de Maringá não foi encontrado para autorizar o relaxamento prisional. Campos saiu da carceragem no final da tarde de segunda-feira. "Entramos com um pedido de revisão criminal", explica Seixas. "Fui preso como bandido. Queria fazer concursos públicos e não pude. Agora que estou conseguindo provar que aquele cara não era eu", afirma a vítima.
Uma falha apontada pela polícia para esse erro é que ainda não existe um sistema informatizado capaz de comparar impressões digitais exclusivas para cada pessoa. "O programa não poderia aceitar impressões datiloscópicas idênticas a um registro já existente", comenta o delegado Recalcatti.
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