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 | Daniel Castellano / Gazeta do  Povo
| Foto: Daniel Castellano / Gazeta do Povo

Antes restrito aos pontos de táxi e aos círculos dos próprios motoristas, o mercado clandestino de placas de táxis de Curitiba dá mostras de ter chegado à internet. Nesta semana, uma delas foi colocada à venda em um site de classificados on-line, por R$ 250 mil. Taxistas ouvidos pela Gazeta do Povo confirmam que outras placas já foram negociadas na web e que as vendas continuam na praça. As placas são autorizações públicas outorgadas pela Urbanização Curitiba S/A (Urbs) e não podem ser comercializadas em hipótese alguma.

O anúncio postado na internet é direto: “vendo placa de táxi de Curitiba, com ponto muito bom”. Sem se identificar, a reportagem pediu mais informações ao vendedor. Ele disse que a autorização pertencia a um taxista que morreu em 2010. O anunciante garantiu ainda que o comprador não vai ter problemas para transferir a placa para o seu nome.

“Está quase concluído o inventário. É só eu colocar o seu nome como herdeiro na partilha e já sai o alvará direto para a transferência no seu nome”, disse. O vendedor ainda explicou que quem adquirir a autorização precisará desembolsar outros R$ 10 mil para efetivar a transferência. “Vai mais R$ 6 mil na Urbs, mais outras taxas”, apontou.

Uma lei municipal de 2012 prevê a hereditariedade das licenças de táxi em Curitiba. De acordo com o texto, em caso de morte do permissionário, a autorização pode ser transferida para familiares ou para um profissional indicado pelo cônjuge e inscrito no cadastro de condutores.

Não sei de nada

Posteriormente, a reportagem voltou a telefonar para o anunciante, que negou que tivesse colocado a autorização à venda. “Acho que fizeram anúncio no meu nome, tanto é que placa de táxi nem pode vender”, desconversou. “Deve ter alguma coisa errada no meio do caminho, eu não sei de nada disso aí”, acrescentou. Pouco depois, o anúncio foi removido.

Na praça

Em 2008 e 2013, séries de reportagens da Gazeta do Povo mostraram que placas de táxi eram vendidas no mercado clandestino. Muitas iam parar nas mãos de profissionais, como médicos, advogados, delegados de polícia e até vereadores, que não exerciam a função de taxista, mas arrendavam as autorizações a motoristas que não tinham placas para trabalhar.

PGR contesta transferência de autorizações

As transferências de autorizações de táxis foram questionadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Em junho, ele ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5337) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra alguns pontos da lei federal que traçou diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. O procurador destaca que o serviço é de interesse público e que as transferências abrem brechas para a comercialização das placas e ferem princípios da isonomia e da impessoalidade.

Em sua petição inicial, Janot destaca que cabe ao poder público “controlar os destinatários dessas autorizações” e permitir que os interessados concorram “de maneira equânime e impessoal, sem favoritismos nem perseguições”. Na avaliação do procurador-geral, as autorizações têm caráter unicamente pessoal e não podem, portanto, ser transferidos.

“Cessado o desempenho da atividade por parte do taxista, por qualquer motivo (aposentadoria, morte, desinteresse, caducidade etc.), a autorização deve caducar e ser oferecida a outro interessado que preencha os requisitos”, consta da petição.

Taxistas consultados pela reportagem garantem que o esquema continua ativo. Um colaborador – motorista que não detém autorização – disse que no início deste mês circulavam nos pontos de táxis anúncios de vendas de placas. “Pediam R$ 100 mil por uma e R$ 150 mil pela outra”, disse.

“Na verdade, esse mercado nunca acabou, por falta de fiscalização. A gente não sabe como fazem a transferência, mas anúncio sempre tem. Tem até sindicalista negociando”, completou outro taxista. Eles concederam entrevista sob a condição de não serem identificados, por temerem sofrer represálias de colegas.

Urbs vai investigar venda

A Urbanização Curitiba S/A – empresa de economia mista que administra o serviço de táxi na capital paranaense – disse que vai investigar o anúncio de venda da autorização pela internet. A entidade adiantou que, se houver indícios de irregularidades, será aberto um processo administrativo que pode terminar com a cassação da placa. O caso também deverá ser remetido ao Ministério Público do Paraná (MP-PR). A Urbs acrescentou que desde o recadastramento, concluído em outubro de 2013, foram feitas 20 transferências por espólio (em que os autorizatários tinham morrido), todas determinadas pela Justiça.

Um detalhe é que o homem que tentou vender a placa pelo site de classificados deu a entender que usaria justamente ações judiciais para forçar a transferência. “Caso eles [a Urbs] não aceitem, você entra na Justiça e eles são obrigados a passar [a autorização] para o seu nome”, disse. “Eu posso te levar no meu advogado pra gente conversar”, completou.

Sem valor

O Sindicato dos Taxistas do Paraná (Sinditáxi-PR) minimizou os anúncios de venda de autorizações do serviço. “Como não pode transferir, as placas perderam o valor. Quem está anunciando, tenta vender um negócio que não vale nada”, disse o presidente da entidade, Abimael Mardegan. “Ainda assim, sempre tem uns loucos que compram. Para nós, é uma coisa ilegal”, completou.

Na Justiça

Em 2012, o Ministério Público do Paraná ajuizou uma ação com objetivo de barrar as transferências de placas entre particulares e de determinar que as autorizações fossem licitadas. A ação foi motivada por denúncias de taxistas à Promotoria de Defesa do Patrimônio Público. A Gazeta do Povo não conseguiu contato com o promotor Paulo Ovídio Santos Lima, para falar sobre novidades sobre o assunto.

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