Todos os dias, no começo da manhã, um barracão no Centro de Curitiba recepciona uma movimentação semelhante à do Ceasa. Caminhões desembarcam alimentos em um galpão, enquanto Kombis e carros de passeio enchem os porta-malas com os produtos. A cena ocorre ao lado do teatro do Sesc da Esquina, onde está instalada a sede do programa Mesa Brasil em Curitiba. A iniciativa da entidade dos comerciários, que completa dez anos em junho, recolhe doações de alimentos feitas por produtores agrícolas, indústrias e supermercados e os distribui para asilos, creches, orfanatos e abrigos.
Somente em Curitiba são arrecadadas 85 toneladas de mantimentos por mês, a partir de 25 doadores fixos, que beneficiam 200 instituições da capital e região metropolitana. O programa também está presente em outras sete cidades do Paraná, beneficiando um total de 55 municípios. No ano passado, foram arrecadadas quase 3 mil toneladas de mantimentos.
As instituições beneficiadas são cadastradas pelo programa e precisam respeitar uma série de normas de transporte e armazenamento dos produtos. A quantidade e o tipo de produto repassado também são controlados. "Como estamos combatendo o desperdício nas empresas, não queremos que o mesmo ocorra nas instituições de caridade. Sabendo sobre as outras contribuições, podemos montar uma cesta que complemente as refeições, deixando-as mais ricas", explica Fernanda Hardt Kehl, nutricionista do programa em Curitiba.
O projeto teve início em São Paulo, onde o Sesc mantinha uma equipe para recolher mantimentos e preparar sopa para pessoas carentes. Com o aumento da operação, os alimentos in natura passaram a ser entregues para as instituições. Nascia então o Mesa São Paulo, que depois foi expandido para o resto do país.
Os coordenadores paranaenses levaram o programa adiante e agregaram uma ferramenta de rastreabilidade dos alimentos. Cada lote recebe um código e, pela internet, o doador pode consultar o destino do alimento. O recurso, além de garantir a transparência do processo, possibilita a criação de um vínculo entre as pontas. Em várias ocasiões, empresas promoveram eventos especiais nas instituições.
O custo com a manutenção do programa em Curitiba, perto de R$ 30 mil mensais é integralmente coberto pelo Sesc. A estrutura conta com 18 funcionários, um galpão de armazenamento de 100 metros quadrados, uma câmara fria de 36 metros cúbicos, um caminhão e três vans. Porém o Mesa Brasil está de mudança: vai deixar o Centro em direção ao Parolin. Próximo ao limite da capacidade de atendimento, o programa vai atrás de mais espaço. Além disso, foge da zona central de tráfego, onde há restrição para o trânsito de caminhões.
Programa aproveita produtos descartados
A insegurança alimentar é um tema fartamente diagnosticado, mas embora seja evidente que se trata de um problema de logística, e não de produção, a solução global para fome ainda parece distante. Iniciativas como o Mesa Brasil, além de contribuir com um passo rumo ao cenário ideal, servem para radiografar algumas práticas de consumo.
Parte importante das doações de hortifrutigranjeiros vem de redes de supermercados. São produtos que se tornaram imprestáveis para venda depois que algum cliente o apertou para saber se estava fresco. Sabendo disso, os varejistas adquirem um excedente desses itens, e o descarte acaba embutido no preço cobrado do consumidor final. Esses produtos, no entanto, mantêm a qualidade nutricional e são aproveitados no Mesa Brasil.
Na indústria, lotes de gêneros alimentícios são descartados por erros na confecção ou impressão das embalagens. Campanhas publicitárias e renovação visual também inutilizam os lotes imediatamente anteriores. Por vezes, fluxos menores de demanda fazem o produto fica estocado na fábrica até faltar poucas semanas para o vencimento. "Precisamos ser rápidos para aproveitar esses alimentos. Nosso tempo de estoque é de, no máximo, 48 horas", conta Fernanda Hardt Kehl, nutricionista do programa em Curitiba. "Para nós não interessa a embalagem, e sim a integridade nutricional".