Os primos Walace, 6 anos, Eduardo, 10 anos, e Josefer, 13 anos, não vivem em nenhuma zona rural de difícil acesso, mas mesmo assim não bebem água tratada, nem usam o transporte escolar público e muito menos conseguem mandar cartinhas para o Papai Noel. Os três moram nas proximidades do Contorno Leste, em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba. As 20 famílias residentes nesta "terra de ninguém", mesmo sem acesso aos serviços da Sanepar, dos Correios e ao transporte coletivo, não são esquecidas na hora de pagar IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), já que todas são proprietárias de imóveis.
"Queremos água, ônibus, telefone, cartas", reivindica a policial civil Amélia Teixeira Castilho, 67 anos, moradora no local há 10 anos. O motorista Juarez Ferreira, 53 anos, lembra que essas não são as únicas carências da região. Como a urbanização chegou e parou no Contorno Leste, a travessia da rodovia é outro ponto que preocupa. "Falta uma passarela", aponta Ferreira.
A ausência de endereço e água tratada também incomoda o torneiro mecânico Ivori Varela Cabral, 53 anos. Ele mora e trabalha no local. "Tudo gira em torno do endereço. Por isso, tenho uma caixa-postal."
Para Gicele Isabel Marenda, 34 anos, até a coleta de lixo deixa a desejar. "Ela é feita uma vez por semana, às quintas-feiras, quando não é feriado". Gicele também reclama da forma como é feita a cobrança do IPTU. "Ele vem num talão e temos de dividir o valor", disse. Isso ocorre porque Gicele, assim como outras cinco famílias, mora num terreno desmembrado de uma chácara. Na prefeitura de São José dos Pinhais, porém, só há uma indicação fiscal.
Gicele recebe suas cartas no endereço de uma irmã, na Vila Bom Jesus. Como o local é distante, elas são apanhadas uma vez por semana. Ela também é obrigada a pagar R$ 200 por mês para garantir o transporte escolar para os dois filhos pequenos.
A situação vivida pelas 20 famílias de São José dos Pinhais é totalmente irregular segundo a socióloga Maria Tarcisa Bega, professora de políticas públicas da Universidade Federal do Paraná, já que a mesma lei que permite a cobrança do IPTU, garante a prestação de serviços públicos. "O imposto é o contrato que você faz com a cidade e o torna detentor desse direito", ressalta.
O advogado Fernando Knoerr, professor de direito administrativo da Escola da Magistratura do Paraná, vai além, afirmando que é dever do estado oferecer serviços públicos a toda a população. "O estado deve prestar o mesmo serviço a todos, de forma universal e impessoal. Qualquer exclusão de acesso é discriminatória."
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