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Mesmo sem polícia, prioridade nos bairros é saúde e educação

Lotérica nas Mercês já foi assaltada 10 vezes, duas só neste ano | André Luís Rodrigues/Gazeta do Povo
Lotérica nas Mercês já foi assaltada 10 vezes, duas só neste ano (Foto: André Luís Rodrigues/Gazeta do Povo)

Há um clamor por mais policiamento em 27 bairros de Curitiba, uma carência que se acentua à medida que se avança em direção à periferia. Apenas três dos 30 conselhos comunitários de segurança (Consegs) ouvidos pela Gazeta do Povo nas últimas semanas não reclamaram da escassez de policiais nas ruas. Embora os efeitos dessa ausência possam ser medidos nos índices de criminalidade, esse não é o maior dos problemas em metade dos bairros pesquisados.

Existem 38 Consegs ativos na capital. Quinze dos 30 ouvidos pela reportagem não põem a segurança pública como prioridade. Porém, eles pedem, antes de tudo, mais investimentos nas áreas de saúde e educação, além de outras ações para melhorar a qualidade de vida (veja o mapa abaixo). Conseg é uma entidade de apoio às polícias estaduais, um grupo de pessoas reunidas para discutir as soluções dos problemas que se refletem na segurança pública.

No dia-a-dia do bairro, o diagnóstico a que chegaram essas entidades revela uma relação de causa e efeito entre a deficiência das políticas públicas e a segurança pública. "É um conjunto de problemas que as autoridades têm o dever de solucionar, mas parece que eles pouco importam às autoridades", desabafa o presidente do Conseg do bairro Bacacheri, Celso Kataloski.

DesigualdadesAs demandas apresentadas pelos conselheiros mostram a desigualdade social, que se torna mais evidente em áreas populosas e próximas aos limites com a região metropolitana de Curitiba. No Sítio Cercado, região sul, por exemplo, a reclamação sobre carência de policiamento existe, mas não é prioridade. O Conseg reivindica melhorias na área de saúde em primeiro lugar.

No Cajuru, uma área quase tão populosa quanto o Sítio Cercado, na zona leste de Curitiba, a prioridade é a mesma. Do outro lado da cidade, no Bairro Alto, próximo a Pinhais, vem o pedido por calçadas e melhorias no transporte público. São reivindicações que, em última análise, reduziriam as diferenças com outros endereços nobres da capital. "Nos países onde se diminui a desigualdade social, a taxa de violência também cai", explica o sociólogo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Cézar Bueno.

Portanto, não é só de policiamento que se está falando. Para Bueno, os próprios conselhos devem pensar em alternativas para melhorar a segurança pública e a qualidade de vida em suas localidades. "Mais polícia nem sempre resulta em mais segurança", pondera o sociólogo. Ele ressalta ainda que, em alguns casos, pode até aumentar o problema. "Esse protagonismo da sociedade civil, legitimado pelos Consegs, precisa servir também para a materialização de direitos básicos", diz.

Ex-secretário nacional da Segurança Pública, o coronel aposentado José Vicente da Silva lembra que as políticas públicas de segurança precisam ouvir a população, mas não podem ser pautadas pela comoção. "A sensação de medo nem sempre é justificativa suficiente para levar mais policiais àquela região", observa o coronel. Segundo ele, a distribuição do policiamento deve ser conduzida com base nas estatísticas.

Sesp diz estar aumentando frota e policiais

"Para suprir essa defasagem histórica do efetivo policial, no ano de 2012 esta gestão do governo estadual incorporou 3.127 novos policiais, que já foram distribuídos por todo o Paraná e estão atuando nas ruas", afirmou a Secretaria de Segurança Pública (Sesp) por meio de uma nota à imprensa. A pasta ainda ressalta que a distribuição do efetivo segue estudos e critérios técnicos.

A Sesp diz ainda que pretende contratar mais 5,4 mil policiais e bombeiros. Metade está em curso de formação. "Junto com o aumento do efetivo, 1.220 novas viaturas foram adquiridas para reforçar, principalmente, o policiamento ostensivo", descreve o texto. De acordo com a nota, hoje não há viatura parada e todas as dificuldades pontuais que ocorreram no fim do ano passado foram sanadas.

"Semanalmente, operações das polícias Civil e Militar são deflagradas para combater a criminalidade e os resultados são visíveis: redução no número de homicídios em todo o Paraná, que obteve os menores índices desde o ano de 2007, quando a metodologia atual começou a ser empregada."

Sem conselho, Mercês reclama

Keler Cristina Mariana, 38 anos, é atendente em uma lotérica na Rua Manoel Ribas, nas Mercês, em Curitiba. O bairro não tem um conselho comunitário de segurança, então cabe aos moradores reclamarem da falta de policiamento. "Na lotérica sofremos mais de 10 assaltos. Esse ano já teve dois assaltos a mão armada", relata Keler.

Para ela, a falta de policiamento é um problema crônico que facilita a ação dos criminosos nos bairros. "Você liga e, às vezes, a polícia não vem", comenta. No último assalto, Keler disse ter ligado para a Polícia Militar, mas ninguém apareceu para ajudá-la.

No local, trabalham apenas três mulheres. O estabelecimento permanece aberto até as 18 horas. "Fico sempre com muito medo no trabalho. Até na presença dos clientes, eles (os ladrões) não querem nem saber", lamenta.

A situação difícil da lotérica pode ser explicada, na avaliação da funcionária, porque o estabelecimento trabalha muitas vezes como um banco, mas sem os mesmos sistemas de segurança. Há alguns anos, um segurança contratado pelo dono da lotérica acabou morto ao trocar tiros com assaltantes.

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