O advogado Valerio de Oliveira Mazzuoli, professor da Universidade Federal de Mato Grosso, é uma das principais vozes contra a prisão civil do depositário infiel. Seus estudos sobre o tema foram citados pelos ministros do STF na decisão desta semana.
O sr. concorda com o entendimento firmado pelo STF nesta semana, em relação à prisão do depositário infiel?
Concordo plenamente. Já era tempo de o STF rever o seu antigo posicionamento sobre essa questão. O problema que aqui se coloca diz respeito a prender-se um ser humano por uma dívida civil, o que, desde os tempos bíblicos, já era proibido. Por nossas dívidas devemos dar nosso patrimônio em garantia, e não o nosso corpo, como ocorre nos contratos de alienação fiduciária em garantia. Quando lancei, em 2002, o meu livro Prisão Civil por Dívida e o Pacto de San José da Costa Rica (Editora Forense) eu sabia que um dia, talvez não muito próximo, o Supremo iria mudar sua posição do início da década de 70. E foi exatamente o que ocorreu anteontem, no plenário do STF. Minha posição doutrinária é referida várias vezes nos votos dos ministros, o que para mim foi um conforto, pois esta minha tese não era aceita à unanimidade pela doutrina. Hoje, vejo que o meu delírio já não é tão grande.
O STF decidiu que os tratados internacionais sobre direitos humanos aos quais o Brasil tenha aderido antes da EC nº 45 têm status "supralegal" e não propriamente constitucional. O que o sr. pensa disso?
A meu ver a hierarquia dos tratados no Brasil é a de "norma constitucional" e não de "norma supralegal". Um dos ministros, o Celso de Mello, citando outra obra minha Curso de Direito Internacional Público (Editora Revista dos Tribunais) , concordou com o meu pensamento. Mas a tese do ministro Gilmar Mendes também não é de se jogar fora, uma vez que colocou os tratados de direitos humanos num nível acima das leis infraconstitucionais, o que já foi um grande avanço num Tribunal que entendia que os tratados de direitos humanos eram equiparados às "leis ordinárias"!
Qual é o impacto prático dessa decisão?
É imenso. Doravante, os juízes e tribunais vão ter que respeitar os tratados de direitos humanos dos quais a República Federativa do Brasil é parte, não podendo mais entender (como ainda entendem alguns juízes) que esses tratados podem ser "revogados" por lei ordinária posterior. Assim, na prática, a decisão veio dizer que não existe mais prisão de depositário infiel no Brasil, pois as leis que operacionalizam esse tipo de medida coercitiva estão "abaixo" dos tratados internacionais de direitos humanos que têm nível "supralegal" ou "constitucional", como queiram.