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Moradora de Maringá, no Paraná, Maria Helena tem 70 anos e é uma das 36,5 mil pessoas que assinaram o abaixo-assinado para reabertura do Hospital
Moradora de Maringá, no Paraná, Maria Helena tem 70 anos e é uma das 36,5 mil pessoas que assinaram o abaixo-assinado para reabertura do Hospital| Foto: Arquivo pessoal/Maria Helena Gonçalves/João Carlos Dias Junior

Aos 70 anos e usando cadeira de rodas para se locomover, Maria Helena Gonçalves tem sido vítima de violência doméstica. “Meu filho tentou me matar!”, alerta, explicando que o rapaz foi diagnosticado com esquizofrenia e dependência química, e já foi internado 24 vezes no Hospital Psiquiátrico de Maringá. No entanto, a instituição foi fechada pela Vigilância Sanitária da cidade, em 2022, e a mulher relata a dificuldade que tem enfrentado para conseguir ajuda.

“Os surtos dele são graves e não tenho condições de pagar consultas e tratamento particular”, afirma a maringaense aposentada, ao relatar que já ficou dias com o filho amarrado em uma maca aguardando vaga para tratamento.

“E teve uma vez que o medicaram e encaminharam para o Centro de Atenção Psicossocial (Caps), mas ele entrou por uma porta e saiu pela outra porque não fica internado espontaneamente”, revela a idosa. “Estou correndo risco, e até uma vizinha me falou que tem medo do meu filho”, lamenta, informando que centenas de famílias enfrentam a mesma situação.

Por isso, Maria Helena preparou um abaixo-assinado para solicitar a reabertura do Hospital Psiquiátrico de Maringá, e até essa quarta-feira (26) conseguiu mais de 36,5 mil assinaturas.Precisamos desse hospital. Nos ajudem, por favor”, pede a idosa.

O paranaense Carlos Aparecido de Oliveira também solicita reativação do sanatório para continuar o tratamento que realizava. “Sou alcoólatra, tenho problema com drogas e ando depressivo”, relata o homem de 44 anos, que vive na rua, bem perto do hospital.

Segundo ele, a instituição o internou 13 vezes antes de ser fechada, mas hoje ele não recebe acompanhamento, pois o Caps não faz tratamentos de longo período. “Estão sempre lotados, e só passam remédio. Aí a gente pega receita e fica na rua”.

O que aconteceu com o hospital?

De acordo com a prefeitura de Maringá, o hospital de 62 anos foi interditado em 2022 — após a pandemia — por não cumprir a “legislação sanitária”. A vistoria foi realizada dia 29 de junho daquele ano por representantes do município e do Estado, e constatou “problemas estruturais no prédio”.

No relatório, que a Gazeta do Povo teve acesso, os avaliadores sugeriram melhorias nas “condições estruturais e sanitárias”, recomendaram que o hospital elaborasse e implementasse “Projetos Terapêuticos Singulares (PTS)” e que construíssem coletivamente “um prontuário único”. Além disso, sugeriram assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

No entanto, o relatório da vistoria não apresentou prazo para as adequações, e o vice-presidente do Hospital, Mauricio Parisotto, afirma que nenhum TAC foi oferecido para assinatura. “Não tive nem acesso ao relatório, e precisei solicitar pela Lei de Acesso à Informação”, diz.

Segundo a prefeitura, o TAC não chegou a ser confeccionado porque um Processo Administrativo Sanitário foi julgado após a vistoria, analisando os problemas encontrados pela equipe e decidindo pelo fechamento do hospital. “A interdição é definitiva e não cabe solicitação de renovação de licença sanitária”, informou a prefeitura, em nota.

Entre os apontamentos do processo administrativo estão situações como falta de informação legível nas pulseirinhas de identificação dos pacientes, prescrição médica feita à mão e a inexistência de sistema informatizado para controle de medicamentos. Além disso, o processo cita licença de funcionamento desatualizada.

De acordo com o advogado Rodrigo Valente, que representa o hospital na Justiça, o pedido de renovação da Licença Sanitária já havia sido protocolado 10 dias antes do vencimento, em 19 de abril de 2022, mas “a Vigilância Sanitária não analisou e nem respondeu ao pedido”, informa.

Além disso, ele relata que o hospital teve projeto de reforma aprovado pela Vigilância Sanitária do município em dezembro de 2021, “atendendo integralmente as exigências”. Porém, durante o processo administrativo, “o órgão determinou conclusão das obras em 90 dias, prazo insuficiente para reformar um hospital de 5.300 m² de área construída”.

Por isso, a instituição abriu um processo contra o município de Maringá e contra o estado do Paraná. “Solicitamos o reconhecimento de que a falta da licença sanitária foi resultado da própria torpeza do ente público, que não analisou o pedido”, informa o advogado, explicando ainda que o hospital pede sua reabertura com 54 leitos já reformados e prazo de 60 meses para execução do restante das obras, “conforme disponibilidade financeira e recursos disponibilizados pelo Estado”.

Vistorias do CRM-PR e do MPF-PR aprovaram as instalações do hospital

Para o vice-presidente do hospital, Mauricio Parisotto, a interdição de uma instituição histórica na cidade, como é o caso do Hospital Psiquiátrico, é um equívoco e resultado de “perseguição ideológica, pois outras vistorias já haviam sido realizadas no mesmo período, com resultados satisfatórios”.

Em 8 julho de 2022, por exemplo, ele informa que o hospital recebeu representantes do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) que se referiram ao prédio como um “ambiente com boas condições de higiene e limpeza” e equipe terapêutica completa. No relatório que apresentaram, foi citado também que o sanatório realizava reuniões com familiares e atividades de terapia ocupacional para os pacientes, como oficinas de comunicação, teatro, música, pintura e atividades esportivas.

“Embora simples, suas instalações oferecem conforto mínimo, bom padrão de higiene, alimentação, materiais e medicamentos, e uma boa condição de trabalho para a sua equipe multidisciplinar”, informou a avaliação, que destacou ainda o convênio da unidade com a faculdade Unicesumar e a aprovação do Ministério da Educação (MEC) para oferecer programa de Residência Médica em Psiquiatria.

De acordo com Mauricio Parisotto, o hospital passou também por vistoria da Procuradoria da República no Paraná (MPF-PR) em maio de 2022, sem irregularidades, e obteve a certificação do Ministério da Cidadania do país como Centro de Referência em Dependência Química, no mesmo ano.

“Isso sem falar da importância para atendimento de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) de todo o Paraná, pois eles esperam cerca de 10 dias por uma vaga no estado, em uma fila de mais de 700 pessoas”, afirma Parisotto, ao citar dados disponibilizados pelo governo do Estado por meio da Lei de Acesso à Informação.

O número de espera por um leito é de novembro de 2023 (imagem acima), e a média de tempo foi apresentada com base nos dados de agosto a outubro de 2023 (tabela a seguir).

Prefeitura e Sesa afirmam que não há fila em Maringá; pacientes discordam

A prefeitura de Maringá, no entanto, informa que não faltam leitos para os pacientes da cidade e que todos que estavam internados no Hospital Psiquiátrico em outubro de 2022 — de Maringá e de cidades do Paraná — foram realocados para outras instituições ou encaminhados para casas de familiares. Ainda segundo dados da prefeitura, a Emergência Psiquiátrica do Hospital Municipal oferece atualmente 32 vagas, e o Centro de Atenção Psicossocial (Caps III), 15 vagas.

A Central de Regulação de Leitos do Estado reitera os dados, informando que “não há neste momento, nenhum paciente esperando por vaga de internação especializada em psiquiatria no município de Maringá”.

Para a esteticista Rosana Petrico Franciscon, entretanto, isso ocorre porque pessoas que precisam de atendimento nem sempre são colocadas na fila. “Foi o que aconteceu com meu sobrinho”, denuncia, ao afirmar que o rapaz de 24 anos foi enviado para casa em surto psicótico sob alegação de que “não havia vagas”. Ou seja, “nem o colocaram na fila para conseguir atendimento em outra cidade, e eu tenho o comprovante que me entregaram". A guia de encaminhamento com descrição "sem vagas no momento" está aqui:

Segundo Rosana, seu sobrinho — que mora com os avós de 69 e 72 anos — foi diagnosticado com esquizofrenia, bipolaridade e dependência química, e ameaça sua família. “Quando tem crises, ele arranca as roupas e fala em matar e violentar sexualmente pessoas, então pega faca e surta mesmo”, lamenta, preocupada.

“Com o Hospital Psiquiátrico aberto era mais fácil conseguir atendimento, porque agora só dão medicamento para ele e o mandam de volta para casa”, relata, pontuando que é impossível morar com uma pessoa nessa situação. “Em cinco dias após a medicação, ele já tem outra crise, e outra, cada vez pior”.

Rosana revela ainda que já foi orientada a procurar o Caps da cidade, mas o local fica com as portas abertas, e o rapaz foge. “Pelos distúrbios que tem, ele precisa de um lugar fechado para receber o tratamento corretamente”, aponta, implorando por ajuda. “Meu sobrinho está nas drogas, e cada dia pior. Ele rouba tudo que tem dentro de casa, até o motor da geladeira, e agride meu pai. A situação é insustentável”.

Assim como ela, uma maringaense de 71 anos, que pediu para não ser identificada, afirmou à Gazeta do Povo que também teve dificuldade para conseguir atendimento para a filha bipolar. “Ela acabou ficando internada por um tempo no município de Rolândia, mas está precisando de novo, e não conseguimos mais”, conta, com a voz embargada.

“É muito difícil, e eu vou ter que desligar o telefone porque ela chegou aqui. Não é ninguém, filha...”, disse, enquanto desligava a ligação da reportagem.

Falar de tratamento mental é difícil, mas necessário

Para o psicólogo Pablo Kurlander,mestre e doutor em Saúde Coletiva, ede coordenador do Relatório da Federação Mundial de Comunidades Terapêuticas, a questão exige atenção das autoridades, pois esses pacientes precisam de cuidado.

“Não adianta fechar hospitais psiquiátricos sem oferecer outra modalidade que resolva o problema”, aponta, ao citar a Lei 10.216/2001, que prevê direitos e proteção às pessoas com transtorno mental. “Afinal, o problema não é o hospital psiquiátrico em si, mas a forma que o hospital funciona, e isso deve ser discutido, ainda que seja uma conversa difícil”, finaliza.

Manifestação da prefeitura e do estado do Paraná

Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) do Paraná informa que acompanha os trâmites do processo de interdição do Hospital Psiquiátrico de Maringá. Segundo a pasta, o MPPR e a Vigilância Sanitária local solicitaram diversas adequações para a instituição e aguarda o plano de ação para sanar esses problemas.

De acordo com a prefeitura, a Emergência Psiquiátrica do Municipal de Maringá passa por obras de reforma para ampliação de leitos, e realiza cerca de 25 consultas por dia. Outros locais como o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) também oferecem plantão psiquiátrico.

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