O próximo copo de água que você beber pode conter traços microscópicos de medicamentos, anticoncepcionais e até de creme para cabelo. Pequenas quantidades desses produtos estão se acumulando em rios e lençóis freáticos de todo o mundo, formando um novo tipo perigoso de poluição, quase impossível de ser eliminada. Até restos de cocaína foram encontrados na água potável da Inglaterra, segundo um estudo da Drinking Water Inspectorate, que analisa a água do país. A quantidade muito reduzida não traria riscos à saúde humana, disseram os especialistas. Mas o alarde quando a notícia foi divulgada, no início do mês, trouxe à tona um problema sério: pouco se sabe sobre o efeito que essas substâncias terão a longo prazo sobre o homem e o meio ambiente. Tampouco há legislação que fixe parâmetros e quantidades seguras para o consumo.
Os chamados micropoluentes estão em praticamente todos os corpos dágua, superficiais ou subterrâneos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que exista, em média, 100 nanogramas (o equivalente a dividir um grama em 10 bilhões de partes) de fármacos por litro dágua. Na água tratada, que chega às nossas casas, a média seria de 50 nanogramas por litro. E as consequências são visíveis: pesquisas indicam que o resto de remédio para dor de cabeça que fica na água, por exemplo, pode causar erros de DNA em peixes. Resíduos de produtos químicos e hormônios também podem estar ligados a mutações genéticas e ao processo de feminização das espécies com machos com características femininas e dificuldades para reprodução. Não há estudos conclusivos sobre os efeitos em seres humanos.
Os micropoluentes são gerados pela "sobra" de medicamentos que não são totalmente absorvidos pelo corpo e o excesso vai parar no esgoto pela urina ou fezes. Também colaboram com o problema os remédios jogados na pia ou na privada e restos de perfumes, xampus e condicionadores. O esgoto, tratado ou não, acaba tendo contato com a água, o que gera a contaminação. Até 90% de betabloqueadores usados por pacientes com insuficiência cardíaca , 60% de antibióticos comuns para tratamento de infecções e 10% de analgésicos não são metabolizados pelo corpo e acabam indo parar na água, segundo uma pesquisa inglesa referendada pela OMS.
Tratamento
A tecnologia para eliminar os micropoluentes da água até existe, mas é inviável. "Além de ser extremamente cara, em muitos casos o tratamento de um tipo de poluente potencializa outro", explica a professora do departamento de Engenharia Química da UFPR Margarete Erbe, que reforça que não há motivos para alarde. Segundo ela, a água que chega às casas tem quantidades muito reduzidas dessas substâncias.
A posição é endossada por Cíntia Mara Ribas de Oliveira, que estuda os micropoluentes desde 2005 no programa de Gestão Ambiental da Universidade Positivo. "A questão é que na água que a gente bebe as concentrações são bem menores". O foco, segundo elas, deve estar na prevenção, para que os possíveis danos a longuíssimo prazo sejam controlados.
Paraná
Sanepar diz que acompanha o assunto e que não há riscos
A Sanepar, responsável pelo tratamento de água no Paraná, afirma que acompanha discussões acadêmicas e debates sobre os micropoluentes, inclusive internacionais. A empresa salienta que ainda não há, no mundo, estudos conclusivos sobre as consequências para o ser humano nem legislação que estabeleça limites e restrições a essas substâncias.
Em nota, a empresa afirma que aguarda os resultados de pesquisas em andamento e a manifestação do Ministério da Saúde que, se considerar necessário, pode regulamentar o controle e monitoramento de micropoluentes.
"Enquanto isso, a empresa cumpre rigorosamente o que determina a Portaria 2914, que fixa os padrões para tratamento da água para distribuição", finaliza.