Sem histórico de ligação direta com o povo cristão, candidatos tentam exibir fé. Na imagem, Eduardo Paes, Guilherme Boulos e Ricardo Nunes.| Foto: Montagem com imagens de divulgação das campanhas
Ouça este conteúdo

Um fenômeno que já tinha ganhado força nas eleições gerais de 2022 está se intensificando nas campanhas municipais deste ano: candidatos sem histórico de ligação direta com o povo cristão estão tentando reconstruir sua imagem de relação com a fé em plena corrida eleitoral, aproximando-se especialmente de igrejas evangélicas.

CARREGANDO :)

Em muitas disputas por prefeituras, políticos aparecem rezando em cultos, conversando com pastores e líderes evangélicos ou católicos e tentando forçar uma narrativa de proximidade com a fé cristã.

O eleitorado evangélico, o que mais cresce no Brasil, é mais alinhado a pautas da direita, o que tem causado dor de cabeça para marqueteiros dos candidatos de esquerda e centro. Não por acaso, políticos historicamente avessos ao conservadorismo têm sido mais cautelosos ao abordar pautas de costumes.

Publicidade

Guilherme Boulos, candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, é o maior exemplo desse fenômeno. Associado à extrema-esquerda e simpático às pautas woke, ele participou recentemente de um evento com membros esquerdistas de algumas denominações evangélicas como a Igreja Universal, a Assembleia de Deus e a Igreja Avivamento.

No encontro, o candidato usou argumentos para forçar uma ponte entre as suas pautas e os eleitores cristãos, e criticou adversários políticos historicamente mais alinhados com os evangélicos chamando-os de "falsos profetas". "Os valores cristãos que estão na Bíblia não são de ódio, não são de mentira. São de solidariedade", discursou.

Entre seus principais concorrentes na campanha à Prefeitura, Pablo Marçal (PRTB) frequenta há anos a Igreja Videira, denominação evangélica fundada em Goiânia, e Ricardo Nunes (MDB) conta com o apoio do pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e de outros líderes evangélicos.

Nunes, aliás, tem feito esforços para dar mais legitimidade ao apoio recebido e intensificou nos últimos dias suas visitas a igrejas evangélicas. No fim de semana retrasado, participou de uma reunião com líderes da Igreja Adventista, um culto na Igreja Batista do Povo, e um evento da Escola Bíblica de Obreiros da Assembleia de Deus. O atual prefeito já afirmou que é católico e que vai à missa todo domingo.

No Rio de Janeiro, há uma disputa pelo voto cristão entre o atual prefeito, Eduardo Paes (PSD), e seu principal adversário, Alexandre Ramagem (PL). Nenhum dos dois tem uma associação imediata com o público evangélico ou católico, e ambos têm buscado o apoio de pastores. Malafaia, que em São Paulo apoia o candidato do ex-presidente Jair Bolsonaro, é amigo de Paes, e por enquanto está se mantendo neutro no Rio.

Publicidade

Ramagem já conta com o apoio de figuras como o pastor Marcelo Bruner e tem feito uma série de encontros com líderes evangélicos. Na segunda-feira (23), ele anunciou pelas redes sociais ter recebido o apoio oficial da Convenção Evangélica das Assembleias de Deus no Rio (Ceader).

No mesmo dia, Paes fez um aceno ao eleitorado católico com uma foto em audiência com o cardeal Orani João Tempesta. Dois dias antes, ele havia visitado um templo da Igreja Mundial do Poder de Deus para receber a bênção e o apoio do pastor Valdemiro Santiago. Na semana anterior, tinha postado uma foto no templo da Igreja Universal do Reino de Deus de Realengo.

Em outras capitais do Brasil, há disputas semelhantes pelo eleitorado evangélico, como em Recife, onde o atual prefeito, João Campos (PSB), tem se aproximado de lideranças evangélicas para ampliar seu favoritismo sobre Gilson Machado Neto (PL), apoiado por Bolsonaro.

Efeito da busca por se aproximar do povo cristão pode variar de acordo com cultura das igrejas, diz teólogo

Segundo o teólogo e pastor Franklin Ferreira, colunista da Gazeta do Povo e doutor em Divindade pelo Puritan Reformed Theological Seminary, as reações às investidas de figuras políticas em busca de aceitação no eleitorado evangélico podem variar muito conforme as diferentes culturas dentro das igrejas.

"Talvez os grupos pentecostais e neopentecostais sejam mais suscetíveis a seguir a orientação de seus líderes. Nas igrejas históricas, isso é muito complicado de acontecer, e a atitude do pastor será repudiada. Há questões sociais e culturais por trás de tais posturas", comenta.

Publicidade

O risco para a credibilidade do discurso de aproximação com os evangélicos é especialmente alto para os candidatos da esquerda progressista, que tendem a exibir valores contrários aos cristãos em temas fundamentais.

Em agosto, a Fundação Perseu Abramo, braço teórico do PT, publicou uma cartilha para orientar o diálogo entre candidatos do partido com evangélicos para as eleições municipais. O objetivo do material é mostrar "como conversar com os cristãos evangélicos do país".

A Perseu Abramo alerta os candidatos para o mandamento de não usar o nome de Deus em vão e "não ficar citando Deus a cada momento". "Para quem não acredita, o melhor é não falar sobre isso e não tentar citar a Bíblia sem a conhecer, sob risco de prejudicar sua credibilidade e criar resistências", afirma o documento.

A cartilha é só uma das diversas iniciativas que a esquerda progressista promoveu nos últimos anos para forjar uma ponte com os eleitores evangélicos. Para Ferreira, eles "estão tentando atrair os incautos".

"O fato é que os evangélicos se tornaram uma massa importante no jogo político. Daí as tentativas de aproximação da esquerda, tentando ocultar agendas de costumes, que são muito importantes para o segmento evangélico", diz.

Publicidade