Desde sua criação, em 2013, o Mais Médicos está no centro de um imbróglio entre Ministério da Saúde (MS) e associações de médicos. Diante da baixa adesão de profissionais brasileiros, o governo passou a aceitar formados em outros países – principalmente cubanos, graças a um acordo intermediado pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) – sem obrigatoriedade de validação do diploma. Fez-se a polêmica: muitas entidades de classe romperam com o ministério e o programa virou alvo de críticas de quem via com ressalvas a presença de médicos cubanos no país.
Agora, com a nomeação do paranaense Ricardo Barros para a cadeira de ministro da Saúde, a situação pode mudar. O ministro já declarou que o MS quer um Mais Médicos de brasileiros e que serão criados incentivos para ampliar essa adesão, mas não detalhou quais serão esses mecanismos nem em quanto tempo os estrangeiros serão desvinculados.
Hoje, estrangeiros respondem por 70% do total de profissionais do programa, a maioria deles são médicos cubanos. No Paraná, dos 967 contratados, 691 vieram de Cuba (71,4%); 117 são médicos brasileiros formados em outros países ou estrangeiros e 159 são médicos formados no Brasil. Em algumas cidades, só há estrangeiros. Em Ponta Grossa, por exemplo, cidade com maior número de profissionais pelo programa no Brasil, são 60 cubanos e três brasileiros.
Só brasileiros
A questão que os números levantam é: um Mais Médicos exclusivamente brasileiro é possível?
Para Barros, sim. “Daremos preferência aos médicos daqui. Vamos valorizar nossos profissionais. Como foram criadas muitas faculdades de medicina nos últimos anos, a médio prazo vamos conseguir equilibrar a participação até termos um Mais Médicos só de brasileiros”, disse.
Na avaliação do professor da UFPR Edevar Daniel, coordenador do Mais Médicos no Paraná, o programa “depende” de estrangeiros apenas porque médicos brasileiros apresentaram resistência ao projeto no início. Ele é cauteloso quanto à dispensa dos médicos de fora.
“Acho que quando o ministro diz que pretende diminuir o número de estrangeiros, isso depende do interesse do médico brasileiro. Não sei se a gente consegue suprir todas as vagas somente com médicos brasileiros. O governo vai ter que dar uma resposta se não houver esse interesse porque se os médicos estrangeiros forem dispensados e não houver substituição, a população e os municípios serão penalizados”, pondera.
Já o diretor da Atenção Primária em Ponta Grossa, Robson Xavier, aponta o número insuficiente de profissionais formados para a Atenção Básica como outra dificuldade. “Hoje o Brasil não tem condição de, tão somente com médicos brasileiros, assumir o Mais Médicos. O incentivo à abertura de novos cursos de medicina é muito recente.”
Segundo o MS, o quantitativo de vagas ocupadas por médicos cubanos se mantém fixo desde 2014 – em 2015 e 2016 as vagas ofertadas foram ocupadas por brasileiros. O ministro disse ainda que, se for preciso, o Brasil continuará chamando estrangeiros.
Médicos esperam melhorias para aderir
De acordo com Luiz Ernesto Pujol, presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), os médicos brasileiros não demonstraram interesse ao programa devido às condições precárias de trabalho. A resistência, no entanto, diminuiu após a implementação de mudanças nas regras. Hoje, médicos brasileiros que participarem do Mais Médicos recebem uma espécie de bônus na prova para cursos de residência médica.
Agora, com a recente prorrogação da permanência de médicos estrangeiros sem revalidação do diploma, a categoria voltou a se indispor com o governo.
“Lutamos para que as condições da saúde sejam melhoradas. Aí será possível um Mais Médicos só com brasileiros. Como médico, não tenho possibilidade de trabalhar porque temos médicos de fora. Esperamos que a sensibilidade do novo governo corrija isso. Não queremos acabar com o programa, mas que ele seja feito com médicos daqui”, declarou.
Ainda assim, uma fonte ligada à coordenação do Mais Médicos no Paraná, que pediu para não ser identificada, disse não acreditar que um programa feito apenas por brasileiros seja possível.
“Antes do programa, 700 municípios do Brasil nunca tinham tido médicos. São localidades no interior do país, afastadas, onde é muito difícil colocar médico. Mesmo em Curitiba: os médicos do programa estão em localidades como a Caximba, por exemplo. A procura de brasileiros tem aumentado, o que é bom, mas um programa só com brasileiros não parece possível.”