A queda de braço sobre a realização do aborto por telemedicina chegou à Justiça. A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em Minas Gerais iniciou nesta sexta-feira (16) uma ação civil pública para obrigar o Ministério da Saúde a impedir a propagação do "teleaborto".
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Em resposta a comunicados anteriores do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União, o Ministério da Saúde, a Anvisa e o Conselho Federal de Medicina (CFM) concordaram que as normas em vigor não permitem a aplicação do misoprostol fora do ambiente hospitalar, como defende uma cartilha elaborada pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia. Dentre outros efeitos colaterais, o medicamento pode causar hemorragia severa.
Agora, o procurador Fernando de Almeida Martins pede que a Justiça obrigue o Ministério da Saúde a agir. A ação tem âmbito nacional, e solicita que o Ministério da Saúde “promova políticas de orientação aos profissionais do Sistema Único de Saúde acerca da incompatibilidade do uso da telemedicina nos procedimentos de abortamento legal.” Embora tenha admitido que a aplicação do misoprostol fora do ambiente hospitalar é irregular, a pasta não tomou providências para notificar e, se necessário, punir o Hospital das Clínicas da UFU por ter realizado pelo menos 15 abortos por telemedicina - além de propagado a cartilha recomendando a prática.
“A realização e/ou defesa do procedimento de abortamento legal via telessaúde, sem acompanhamento médico presencial e com ministração do medicamento misoprostol fora do ambiente hospitalar encontra-se eivada de verdadeira ilegalidade”, afirma o procurador na ação.
Por lei, o aborto é crime no Brasil, mas deixa de gerar punição quando a gravidez for decorrente de estupro, oferecer risco de vida à mulher ou em caso de anencefalia do feto.
Nas situações de estupro, uma portaria do Ministério da Saúde exige, dentre outras coisas, a realização de ultrassom, exame físico e exame ginecológico antes que o aborto seja feito. Isso inviabiliza o aborto em domicílio, sem contato direto com um profissional de saúde. No ano passado, a lei nº 13.989/2020 permitiu o atendimento médico a distância em alguns casos por causa da pandemia, mas não inclui o "teleaborto".
Disputa interna com relação ao aborto
A atuação de Martins gerou reações dentro do próprio Ministério Público Federal. Horas depois da ação civil ser iniciada, o procurador federal dos direitos do cidadão, Carlos Alberto Vilhena, pediu ao Ministério da Saúde que endosse a telemedicina na prática do aborto. Vilhena argumenta que a pandemia “exacerba desigualdades sociais e de gênero já existentes, impactando meninas e mulheres, em regra, de forma mais gravosa do que ocorre com os meninos e homens”.
Embora não negue que as portarias e resoluções em vigor não mencionem o aborto como um serviço que possa ser feito por telemedicina, o procurador argumenta que “a estrita exigência de uso exclusivamente hospitalar do misoprostol, muito embora possa ser considerada legítima e razoável em situações ordinárias, não é compatível com o contexto de dificuldades e obstáculos à prestação do atendimento médico presencial durante a pandemia”.
A Gazeta do Povo procurou a Universidade Federal de Uberlândia e o Ministério da Saúde, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem. Se os posicionamentos forem enviados, a matéria será atualizada.
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