O plenário do STF.| Foto: Nelson Jr./SCO/STF
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A busca e apreensão na casa dos envolvidos no incidente com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no aeroporto internacional de Roma confirma uma tendência que já se insinuava em decisões judiciais recentes: de acordo com a atual interpretação da Corte, os magistrados personificam a democracia e o Estado Democrático de Direito.

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Grosso modo, a partir de agora, membros do Supremo que estejam andando na rua são "democracias ambulantes" – quem ofendê-los estará emitindo ofensas ao próprio regime democrático, segundo a nova interpretação.

A observação foi sugerida pelo advogado constitucionalista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, em um tuíte publicado na semana passada.

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Ao aventar hipóteses sobre qual poderia ter sido o pretexto da Corte para incluir investigados por supostas ofensas a um ministro em seus inquéritos sigilosos – e assim tentar encontrar uma explicação para a busca e apreensão ordenada pela presidente do STF, Rosa Weber –, Marsiglia afirmou: "Para isso, necessário que passemos a entender que os ministros do STF personificam neles o próprio Estado e a própria democracia. Ofendê-los seria ofender o Estado democrático. Nesse caso, vale sempre lembrar que o Estado é o povo, ministro é servidor público".

A autoimagem dos ministros como personificações da democracia começou a ser construída em março de 2019, quando uma leitura elástica do regimento interno do STF tornou-se pretexto para a abertura do inquérito das fake news – classificado pelo ex-ministro Marco Aurélio Mello como "inquérito do fim do mundo" – e a investigação, ordenada pelo próprio STF, contra pessoas que supostamente teriam atentado contra a honra dos ministros.

A justificativa para a abertura do inquérito se baseou no já famoso artigo 43 do regimento interno do STF, que diz:

Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.

Por uma acrobacia na interpretação dessa norma, alguns tipos de críticas à Corte e a seus membros via redes sociais passaram a equivaler a infringir a lei "na sede ou dependência do tribunal", o que justificaria a abertura de inquéritos pelo próprio STF e, entre outras coisas, a censura dos autores dessas críticas.

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Uma vez abertos esses inquéritos, praticamente todo tipo de ofensa ao Supremo e aos magistrados passou a caber dentro deles. Segundo essa interpretação, os ministros passaram a personificar a sede da Corte, e ofendê-los seria o mesmo que atacar as dependências do tribunal.

Com a decisão da busca e apreensão no caso do aeroporto, os ministros passam a personificar não só as dependências do STF, mas também a própria democracia. Os responsáveis pela ofensa do caso investigado teriam cometido, de acordo com essa interpretação, abolição violenta do Estado Democrático de Direito ao entrarem em conflito com Moraes.

"É algo realmente absurdo, surreal", afirma Alessandro Chiarottino, professor de Direito Constitucional e doutor em Direito pela USP. "Justamente o que caracteriza os regimes autoritários é essa interpretação aberta dos tipos penais. As ditaduras, e principalmente os regimes totalitários, fazem muito isso, fizeram muito isso: enquadram sob um tipo penal tudo o que eles querem enquadrar. É uma perigosa deriva autoritária que ameaça a democracia, que ameaça o Estado Democrático de Direito. E isso é tão mais absurdo quando nós vemos membros das instituições, como o ministro [da Justiça] Flávio Dino e o ex-ministro [do STF] Lewandowski, opinando que isso é possível, que esses ataques podem ser enquadrados dessa maneira", acrescenta.

Chiarottino recorda que, no Estado de Direito, uma das características mais importantes é justamente "a certeza da qual se revestem as tipificações penais". "Na hora que você fragiliza essa certeza de quais são as ações que se enquadram sob a tipificação penal, aí o cidadão está perdido. Aí nós estamos em pleno regime autoritário. E nós estamos vendo esse movimento. Esperemos que isso não avance, realmente."

Em entrevista recente à Gazeta do Povo, a advogada e consultora jurídica Katia Magalhães opinou que a personificação da democracia em um ministro do Supremo "é um reflexo de um autoritarismo crescente no meio judicial".

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"Na pior das hipóteses, isso poderia configurar um crime contra um homem, contra a sua honra, mas jamais um crime contra o próprio Estado Democrático de Direito. Porque, se adotarem esse raciocínio, haveria uma inteira confusão entre a pessoa de Alexandre de Moraes e a figura do Estado de Direito, e então nós teríamos de volta os tempos de absolutismo – uma interpretação totalmente anacrônica e disparatada em relação aos Estados de Direito modernos", afirmou.

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