Em poucas ocasiões, uma peça de roupa causou tantos comentários entre brasileiros, como no episódio do vestido da estudante de Turismo Geisy Villa Nova Arruda, 20 anos, da Uniban, São Paulo. Nas últimas duas semanas, o minivestido de Geisy agitou organizações pró-mulheres, foi destaque em na imprensa nacional e ainda fez com que os alunos da Universidade de Brasília (UNB) tirassem a roupa em protesto ao que aconteceu com a universitária ela foi ameaçada de agressão e estupro pelos colegas e chegou a ser expulsa da Uniban (a faculdade voltou atrás).
Afinal, um vestido deveria causar tanto alvoroço? A resposta é não, na opinião de especialistas entrevistados. Isto porque, as pessoas deveriam ser livres para escolher o tipo de roupa que vão usar, sem dar explicações a ninguém sobre isso. Uma pesquisa encomendada pela Gazeta do Povo mostra, porém, que, na prática, as pessoas ainda são bastante conservadoras em relação à vestimenta.
Dos 505 moradores de Curitiba entrevistados pelo Instituto Paraná Pesquisas, nos dias 10 e 11 de novembro, 63% dizem que a estudante exagerou no modelito. E o porcentual de rejeição aumenta quando a pergunta é mais genérica: 71% falam que é inadequado usar uma minissaia no trabalho, na escola ou na faculdade. Já quanto às blusas decotadas ou transparentes, 75% afirmam que não é aconselhável ir a esses locais com roupas deste tipo.
"Não deveríamos nem entrar em discussão se ela exagerou ou não na roupa, principalmente se a faculdade não dispõe de um código de vestimenta, que é mais comum nas escolas", afirma a doutora em educação Maria Rita de Assis César, pesquisadora do Núcleo de Estudos do Gênero da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Maria Rita lembra que a universidade deve ser um local de produção de conhecimento e não um ambiente para se ensinar códigos de vestimenta. "É moralizante a ideia de pensar que a faculdade vai ensinar as pessoas a se comportar. Deve ser, antes de tudo, um ambiente de pluralidade", diz.
O Brasil é um país de contradições, conforme aponta Maria Rita. É difícil explicar sem um tom mais filosófico o que leva os brasileiros a admitir o carnaval com mulheres e homens nus e não se importar em ver mulheres na praia com minibiquinis, mas hostilizar uma jovem que foi com um vestido mais curto à universidade. "É como se tudo tivesse um local autorizado para acontecer." O filósofo e professor Carlos Ramalhete afirmou, em artigo publicado esta semana na Gazeta, que o corpo exposto da universitária suscita o desejo desordenado de muitos: é o instinto humano "incontrolável". Os jovens da Uniban, então, estariam "desprovidos de autocontrole e introjeção das regras sociais e respeito ao próximo."
Para a Maria Rita, o estopim do problema não deve ter sido o vestido, mas o fato de Geisy ser mulher. "Isso faz parte de uma sociedade machista." A socióloga Marisol Recaman, que pesquisa a situação da mulher no Brasil, afirma que a primeira impressão que se tem é de que a universitária sofreu violência de gênero duas vezes. "A primeira aconteceu quando não aceitaram a roupa dela e a segunda quando decidiram linchá-la", diz.
A pesquisa mostra ainda que 59% dos entrevistados acreditam que decotes e saias curtas, em situações corriqueiras, põem em risco a credibilidade da mulher. "Se a credibilidade é associada à roupa, é outra prova de que a sociedade continua machista", afirma Maria Rita. A titular da Delegacia da Mulher, Daniela Antunes Andra-de, lembra que ainda hoje aparecem homens na delegacia dizendo que estupraram determinada mulher porque ela estava de minissaia. "É um absurdo. Eles tentam transformar a vítima em criminosa, mas isso nunca é levado em conta no processo. E, por incrível que pareça, tem mulheres que chegam a pensar da mesma maneira", comenta Daniela.
A opinião dos entrevistados é quase unânime em relação às atitudes tomadas pelos colegas de Geisy: 95% acreditam que a agressão por parte deles não pode ser justificada em decorrência do vestido da aluna. As ideias se dividem, contudo, sobre a atitude da Uniban: 31% acreditam que todos (incluindo Geisy) deveriam ser suspensos, 30% acham que a universidade errou e 28% concordam que os agressores deveriam ser expulsos. "Expulsão só em casos graves, talvez coubesse um tipo de advertência à aluna, até porque, acredito que além do vestido, outro tipo de contratempo deve ter ocorrido. Também penso que o ambiente acadêmico não é para ser um espaço de exibicionismo", afirma o advogado constitucionalista Fernando Knoer.
O reitor da Uniban foi procurado para uma entrevista, mas, por meio da assessoria de imprensa, disse que a universidade não vai, por enquanto, se pronunciar mais sobre o caso.