A desinformação e as narrativas criadas em relação ao PL Antiaborto podem determinar o rumo da proposta que visa evitar a morte de bebês em gestações de 5 a 9 meses. A mobilização da opinião pública, a escolha da relatora e as possíveis mudanças no texto inicial são questões importantes que ainda estão em aberto. Esses fatores serão fundamentais para que o projeto de lei, que pretende equiparar o aborto após a 22ª semana com o crime de homicídio, avance na Câmara dos Deputados.
O acordo dos parlamentares autores da proposta com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), indicava que o projeto deveria ser levado ao plenário para votação ainda nesta semana. No entanto, a repercussão midiática negativa e a pressão dos movimentos pró-aborto, antes mesmo da aprovação do requerimento de urgência, assustaram os parlamentares e os levaram a rever a estratégia. O principal autor do texto, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), afirmou que tem até o último dia de mandato do Lira – que termina em fevereiro de 2025 - para pautar o projeto, segundo informações publicadas pelo jornal O Globo.
Influência de mídia tradicional e digital tem grande impacto na discussão
O PL 1904/2024 considera que, após a 22ª semana, tempo que o bebê já possui capacidade de sobreviver fora do útero, o crime de aborto deve ser equiparado ao de homicídio simples. O Código Penal tipifica o crime de aborto, mas retira a punição quando a gravidez decorre de estupro ou existe risco de morte materna – em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) criou um terceiro caso, quando o bebê sofre de anencefalia. A proposta, além de aumentar a punição para casos após a 22ª semana, também possibilita que o juiz possa diminuir a pena para a gestante, ou até mesmo não a aplicar, dependendo das circunstâncias.
A proposta ganhou força depois de uma decisão cautelar de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, suspender a resolução do Conselho Federal de Medicina que impedia a assistolia fetal em gestações após a 22ª semana. Para o órgão de saúde, a técnica é dolorosa e desnecessária, já que não evita que a mãe passe por alguma via de parto. Como resposta ao STF, os parlamentares apoiaram ainda mais o projeto de lei.
“O poder da opinião pública é muito grande. Ela muda de acordo com as narrativas que são criadas pelas próprias bolhas. Como são valores, o percentual de pessoas que se engajam no assunto e não têm opinião sobre ele é pequeno. Então, dependendo de como a mídia tradicional, os influencers ou a mídia digital enquadram o assunto é que vai galvanizar ou não apoio para a proposta”, analisa Arthur Wintterberg, mestre em Políticas Públicas.
Ação de parlamentares será pressionada por mobilização social
A repercussão do projeto gerou forte mobilização de grupos favoráveis e contrários à prática. A disseminação de desinformações como a possibilidade de menores serem presas ou da proposta beneficiar estuprador tem sido constante, como já mostrou a Gazeta do Povo. Com aparência de conteúdo jornalístico, algumas narrativas se tornam ainda mais influentes.
Na última semana, fã-clubes de figuras como Taylor Swift, Katy Perry e Beyoncé se organizaram para fazer campanhas contra a proposta no X, antigo Twitter. Personalidades públicas também têm se manifestado sobre o projeto de lei, muitas vezes em resposta a pressão dos próprios seguidores.
Segundo Arthur Wintterberg, projetos de lei que tratam de valores sociais fazem com que a opinião pública, que normalmente é desorganizada e difusa, se mobilize a partir de determinados grupos e exerça maior impacto. “A mídia também tem um papel crítico pois os veículos de comunicação ajudam a formar essa opinião pública. Não só a mídia tradicional como a movimentação nas redes sociais. Tudo isso vai influenciar o andamento do projeto de lei”, avalia.
Parlamentares estão de olho nas eleições municipais
Apesar de pesquisas mostrarem que a população brasileira é majoritariamente contrária a prática, na internet os comentários favoráveis são mais numerosos. Uma pesquisa realizada pelo Ipec em 2022, mostrou que 70% dos brasileiros são contra a legalização do aborto. Outra mais recente, realizada pelo DataFolha em 2024, mostrou que 52% são favoráveis a criminalização de mulheres que abortam.
Diante dos interesses dos parlamentares, especialmente para as eleições municipais que se aproximam, o desgaste político precisa ser calculado. Apesar da decisão ter sido em conjunto com os líderes dos partidos, a imagem de Lira tende a ser mais afetada. O parlamentar chegou a restringir os comentários em seu perfil do Instagram para evitar críticas dos usuários.
“A opinião pública fica toda mobilizada e os deputados ficam mais atentos as reações dos eleitores. Eles podem tanto acelerar um projeto quanto frear. Se tiver um clamor muito forte contra o projeto, eles podem optar por não votar para prezar o apoio nas próximas eleições, agindo conforme o desejo dos eleitores”, ressalta Wintterberg
Nome da relatora do PL antiaborto vai definir rumos da proposta
Lira será o responsável por definir quem será o deputado relator. Ele já adiantou que o perfil para ocupar a função seria de uma mulher com posicionamento moderado. Entre os nomes mais ventilados está o da deputada Benedita da Silva (PT-RJ). Apesar de ser filiada ao PT, a parlamentar é evangélica. Nos bastidores, se a designação de Benedita se concretizar, o mais provável é que o projeto de lei perca o apoio da oposição.
Para que a proposta avance, a futura relatora vai precisar estar disposta a ajustar o texto na tentativa de recuperar o apoio de parlamentares que podem ter recuado após a repercussão inicial. Uma das tentativas já anunciada por Sóstenes é de acrescentar no projeto de lei um aumento de pena para estupradores.
A relatora também vai precisar de habilidade política para articular os votos, especialmente de deputados do centrão. Se alcançar os números, o mais provável é que Lira paute o projeto, pois tem interesse em agradar a bancada conservadora da Câmara dos Deputados em troca de apoio à eleição de seu sucessor na presidência da Casa.
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