Pescadora aposentada, Alda Ribeiro, de 67 anos, deixou ontem as linhas e agulhas de crochê, companheiras matutinas de todos os dias, e rumou para a praça de Regência, na foz do Rio Doce, a 60 quilômetros de Linhares (ES), nesta terça-feira (17), para participar de uma manifestação — a primeira que viu na vila em quase sete décadas de vida. No ato público extraordinário, Alda expressava, ao lado de outros 30 moradores, a vontade modesta de quem alimentou os dez filhos com animais apanhados no rio. “Queremos água, não queremos lama”, bradava o grupo integrado por senhoras, mulheres, homens e crianças ao percorrer ruas de terra batida.
“O pessoal diz que, se aquela lama chegar aqui, nunca mais esse problema acaba”, lamentou ela, empunhando um cartaz em que se lia a indagação “Samarco, cadê o respeito?”.
Ao longo da hora e meia de manifestação, os participantes especularam sobre a possibilidade de a Samarco, responsável pela barragem que se rompeu em Mariana (MG) no início do mês, interromper a chegada da onda de rejeitos de minério ao estuário. A previsão do Serviço Geológico do Brasil é de que o material alcance Linhares após a próxima sexta-feira.
“Nós não sabemos qual será o impacto disso nesse mar onde vivem tantas espécies. Clamamos para que a empresa pare essa lama, se houver qualquer chance de detê-la”, pediu a enfermeira e editora do blog “Regência Surf”, Aline Goulart, de 42 anos, doze deles morando na vila cuja economia é baseada no turismo e na pesca.
O protesto foi organizado às pressas, num ritmo que se impôs à pacata vila desde que os cerca de dois mil habitantes souberam que as consequências do acidente em Minas Gerais poderiam chegar até lá. A caminhada começou a ser organizada por mensagens entre moradores na noite de domingo (15). A estudante Thalena Pereira, de 24 anos, foi uma das que desde às 6h30 iam de casa em casa, a pé ou de bicicleta, bater nas portas e convocar participantes.
“Ninguém vive sem natureza e muito menos sem água. Choro todas as noites pensando no que pode acontecer, mas, mesmo com toda essa tristeza, ainda conservamos uma dose de otimismo. Acho que essa tragédia está unindo as pessoas. Desde a semana passada, começamos a instalar sinalizações indicando pontos da vila e com mensagens positivas“, disse ela, indicando uma plaqueta de madeira em que talharam a expressão “Vila mágica”, apelido escolhido por turistas para o distrito miúdo.
Thalena e o grupo chegaram por volta de meio-dia ao destino do protesto, o ponto onde o Rio Doce desaguava no mar. Desde junho, a passagem está fechada por uma faixa de areia em razão da seca. Na terça, a prefeitura, ambientalistas e pescadores locais continuavam a tentar minimizar os possíveis impactos da passagem de rejeitos, reabrindo a foz e estudando a remoção de peixes para lagos. Habitat de espécies ameaçadas como toninhas e tartarugas-de-couro, aquele trecho do litoral é considerado pelo governo federal área prioritária de conservação.
Moradores, por sua vez, se apressavam a tomar suas providências. O motorista Carlindo Leite, de 53 anos, mostrou as mãos feridas para contar que trocou o futebol de domingo pela construção de um poço artesiano na casa dos pais, onde vivem oito pessoas. Carlindo calcula que, desde a semana passada, até cinco pequenos reservatórios desse tipo vêm sendo abertos diariamente por vizinhos, numa corrida para garantir água caso o abastecimento público seja interrompido.
“A água que vem pelo poço é limpinha. Não dá nem para sentir a diferença da mineral. Se a lama chegar, vamos ficar monitorando pela cor e pelo cheiro”, explicou.
O auxiliar de serviços Luiz Carlos Santos, de 32 anos, por sua vez, lamenta não possuir os R$ 800 de que precisaria para executar a obra em sua casa. “Quem tem condições está fazendo o seu. Se perguntar se têm autorização, vão dizer para você: essa lei é a da sobrevivência”.