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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes tem repetido um mantra sobre liberdade de expressão em diversas decisões de censura publicadas nos últimos meses. Presente também na decisão da quarta-feira (14) que censurou o influenciador Monark, o mantra diz, sempre em negrito e com exclamações:
Liberdade de expressão não é liberdade de agressão!
Liberdade de expressão não é liberdade de destruição da Democracia, das Instituições e da dignidade e honra alheias!
Liberdade de expressão não é liberdade de propagação de discursos mentirosos, agressivos, de ódio e preconceituosos!
A primeira vez que estes slogans apareceram em uma decisão foi em junho do ano passado, quando Moraes bloqueou as contas nas redes sociais do Partido da Causa Operária (PCO). Em julho do mesmo ano, Moraes retomou o mantra ao mandar prender um homem que fez ameaças a autoridades. Em setembro, uma decisão que tornou o senador Magno Malta (PL-ES) réu por declarações contra o ministro do STF Luís Roberto Barroso também continha as frases de efeito.
Neste ano, em 11 de janeiro, Moraes repetiu o mantra na decisão de bloquear as redes sociais de diversas personalidades – incluindo Monark e o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) – que, segundo o ministro, teriam instigado os atos do 8/1. Em maio, o mantra também apareceu na decisão que ameaçou suspender o Telegram no Brasil.
O advogado André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, afirma que slogans desse tipo não cabem em decisões judiciais. "Frases de efeito convencem pela repetição; decisões judiciais convencem pelo apuro técnico do fundamento jurídico utilizado", diz.
Para o especialista em liberdade de expressão Pedro Franco, mestre em história social da cultura pela PUC-Rio e em estudos interdisciplinares pela Universidade de Nova York, "Moraes embarcou em uma cruzada moralista e está com um senso de autoengrandecimento que precisa ser sustentado de alguma forma" e "a maneira mais eficiente de sustentar isso é repetindo o slogan". "É o mantra que ele está usando para sustentar essa imagem de que ele está fazendo a coisa certa. Porque valor jurídico não tem nenhum. O único propósito a que essas frases servem, a meu ver, é o propósito psicológico de autoengrandecimento", acrescenta.
Franco recorda que no Brasil, durante a ditadura militar, adotava-se discurso parecido. "A justificativa da censura era exatamente assim. Só o palavreado era um pouquinho diferente. É claro que quem usa esse linguagem são os regimes ditatoriais. Não tem outra definição para isso aí", diz.
Um decreto de 1970, por exemplo, dizia que não seriam "toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos costumes" e que o emprego de certos meios de comunicação obedecia "a um plano subversivo, que põe em risco a segurança nacional".
A repetição de slogans para fixar conceitos no imaginário da população é uma das armas propagandísticas de regimes ditatoriais. Na Coreia do Norte, frases de apoio ao regime costumam ser publicadas em pôsteres gigantes nas cidades. Essa técnica publicitária costuma até ser parodiada em obras literárias de ficção científica sobre estados totalitários, como em "1984", de George Orwell.
Mantra da liberdade de expressão mostra visão deturpada e ditatorial da liberdade de expressão, diz jurista
Para Alessandro Chiarottino, professor de Direito Constitucional e doutor em Direito pela USP, o mantra da liberdade de expressão revela em Moraes "um completo desconhecimento do que seja o valor da liberdade de expressão".
A pedido da Gazeta do Povo, ele comentou cada um dos três slogans que compõem o mantra da liberdade de expressão de Moraes.
Liberdade de expressão não é liberdade de agressão!
Chiarottino: "Ora, justamente existe a liberdade de expressão para que as pessoas possam manifestar a sua contrariedade, o seu inconformismo, a sua indignação, a sua revolta, de maneira pacífica, obviamente, mas de maneira verbal ou escrita. E essa expressão da indignação, essa expressão da revolta ou mesmo da raiva, sempre será uma agressão a algum valor ou a alguma instituição ou a alguma pessoa, mas ela é lícita. Isso faz parte da democracia, isso faz parte do conceito da liberdade de expressão."
Liberdade de expressão não é liberdade de destruição da Democracia, das Instituições e da dignidade e honra alheias!
Chiarottino: "O que não é possível na democracia é o uso da força para a destruição das instituições democráticas. Mas me é perfeitamente lícito ter e expressar concepções não democráticas. Não sou daqueles, por exemplo, que querem proibir os partidos comunistas, os partidos socialistas. Esses partidos, sem dúvida, expressam e defendem concepções que não são democráticas. Mas se nós somos democráticos, se nós somos defensores da democracia, então cabe a nós derrotar essas ideias através do diálogo, do debate, da demonstração de que elas trariam consequências que nós não desejamos. Mas não proibir ideias. O que o senhor Alexandre fala aqui é a negação da democracia."
Liberdade de expressão não é liberdade de propagação de discursos mentirosos, agressivos, de ódio e preconceituosos!
Chiarottino: "Ter ódio e expressá-lo é lícito na democracia, esteja eu com razão ou não. Está na própria concepção da democracia que esse sistema é forte o bastante para deixar todas as ideias virem à tona – desde que de forma pacífica, evidentemente –, e o livre debate, o livre exame dessas ideias vão ser suficientes para depurar as ideias ruins e fazer com que só as ideias boas sobrevivam, mas não através da proibição."
Para o jurista, o que Moraes está defendendo nesse conjunto de afirmações "é ditadura".
"São os regimes autoritários que têm essa conformação, que tratam a liberdade de expressão dessa maneira. São os regimes fascistas, os regimes socialistas, comunistas, os regimes anteriores às revoluções liberais, eles que tratavam a liberdade de expressão dessa forma. Isso nada tem a ver com a concepção liberal de liberdade de expressão. Ele fala ainda em defesa da dignidade e da honra. Ora, para isso já existem os instrumentos no Código Penal, no Código Civil, se alguém se sentir ofendido na sua honra, na sua imagem. Mas o que o senhor Alexandre quer – proibir as ideias que ele não acha razoáveis, a expressão das ideias que ele acha inadequadas –, isso é ditadura, pura e simplesmente. Se implementadas, essas visões do senhor Alexandre de Moraes significariam o fim do Estado liberal, o fim do Estado de Direito e o fim da democracia", conclui.