“Diante das condenações dadas às pessoas que foram julgadas até agora, somente um milagre pode ajudar a Débora.” Essa é a afirmação da técnica em enfermagem Cláudia Silva Rodrigues, irmã da cabeleireira acusada de escrever com batom a frase “Perdeu, Mané” na estátua “A Justiça” nos atos de 8 de janeiro. Presa desde 17 de março de 2023, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, Débora Rodrigues dos Santos segue encarcerada há dois anos, longe dos filhos pequenos, e seu caso será julgado em plenário virtual a partir desta sexta-feira (21).
De acordo com a defesa, apesar de as únicas provas contra a mulher serem imagens dela pintando a estátua em frente ao STF com gloss labial, o que deveria ser penalizado, no máximo, com prestação de serviço comunitário ou pagamento de cestas básicas, ela pode ser condenada a até 17 anos de prisão.
“Débora não praticou qualquer ato violento, e sua permanência na prisão é uma afronta aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena”, informam os advogados Hélio Junior e Taniélli Telles, em nota. “O que está em jogo não é apenas o destino de Débora, mas a garantia de que a Justiça não será usada como instrumento de perseguição política”, continuam.
“O que está em jogo não é apenas o destino de Débora, mas a garantia de que a Justiça não será usada como instrumento de perseguição política”
Hélio Junior e Taniélli Telles, advogados da cabeleireira Débora Rodrigues
Diante da situação, familiares da cabeleireira — que é mãe de dois meninos, de sete e dez anos — têm participado de ações religiosas para pedir que Deus atue em favor de Débora, seu esposo e filhos. “Nossa igreja estará em jejum e oração nesta sexta-feira (21), e convidamos todos que puderem para que se juntem a nós”, convoca Claudia, ao citar que os dois últimos anos foram muito difíceis, e a família clama pelo fim do pesadelo.
Segundo ela, o pai das crianças, Nilton Cesar dos Santos, cuida sozinho dos filhos durante a semana e "está muto cansado", já que se divide entre o trabalho como pintor e a dedicação aos filhos em relação à escola, casa, alimentação e saúde.
“O que ele mais quer é que a Débora volte para que possam cuidar juntos dos filhos como antes, porque ela sempre foi uma mãe muito presente.”
Quem é Débora e por que foi presa?
Natural de Irecê, na Bahia, a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos mora com o esposo e os filhos em Paulínia, no interior de São Paulo. Ela tem 38 anos e, de acordo com sua irmã, é considerada “uma mulher cristã, justa, honesta e que sempre defendeu a família”.
Segundo Cláudia, a cabeleireira chegou à Praça dos Três Poderes, em Brasília, após as depredações e ajudou diversas pessoas agoniadas com o gás na parte de fora dos prédios. “Ela lavou os olhos de muitos idosos que caíam no chão por não enxergarem nada”, relata, informando também que a irmã deixou o local após a chegada dos helicópteros e voltou para casa, onde foi surpreendida dois meses depois.
“Policiais federais fortemente armados foram à casa dela por volta das 6h do dia 17 de março de 2023”, informa Claudia, citando que as crianças choraram muito, com medo, enquanto os policiais “reviravam a residência”.
A cabeleireira foi, então, conduzida para o camburão e só viu os filhos novamente "dois ou três meses depois”, quando as visitas ao presídio começaram. Os meninos passaram, então, a sentar no colo de Débora a cada 15 dias, sentindo o abraço da mãe.
“Eles chegam felizes e ficam agarradinhos com ela, principalmente o pequeno, que completou sete anos agora em dezembro de 2024”, conta Cláudia, informando que as despedidas, no entanto, são repletas de choro e pedidos para que o pai “leve a mamãe para casa”.
Juristas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que o artigo 318 do Código de Processo Penal (CPP) estabelece ao juiz a possibilidade de substituir prisão preventiva por domiciliar para mulheres com filho de até 12 anos de idade, como é o caso de Débora. Além disso, em 2018, o STF concedeu Habeas Corpus coletivo [143641/SP] para favorecer todas as mulheres presas que se encontravam nessa situação. No entanto, a cabeleireira não teve essa chance.
Débora passou mais de um ano sem denúncia e defesa aponta “acusações genéricas”
Segundo a defesa, diversas solicitações de prisão domiciliar foram realizadas desde março de 2023, mas todas foram negadas por Moraes. Além disso, Débora passou mais de 400 dias na prisão sem denúncia — quase 12 vezes mais que o prazo estabelecido em lei —, e seus advogados garantem que as acusações contra ela são “genéricas”.
De acordo com os advogados, a única infração cometida pela mulher foi escrever, com batom, na estátua “A Justiça”, e a pichação foi removida com sabão neutro alguns dias depois. Mesmo assim, ela foi acusada de associação criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, deterioração de patrimônio tombado, e dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União.
A mulher chegou a escrever uma carta de próprio punho pedindo desculpas ao ministro Alexandre de Moraes, mas, de acordo com seus advogados, as solicitações de soltura encaminhadas após a carta também foram negadas.
O julgamento de Débora Rodrigues está previsto para começar às 11h desta sexta-feira (21) e segue até o próximo dia 28.
Frase “Perdeu, mané” foi dita por Barroso a um homem que o questionou sobre urnas eletrônicas
A inscrição feita por Débora com batom na estátua da Justiça remete a uma manifestação do ministro Luis Roberto Barroso, em 15 de novembro de 2022, a um homem que o questionava sobre as urnas eletrônicas brasileiras.
Barroso e outros ministros do STF estavam em Nova Iorque para um evento quando foram abordados na rua por brasileiros descontentes com o resultado das eleições. Na ocasião, Barroso respondeu a um deles: “Perdeu, mané. Não amola”.
Dez dias depois, já no Brasil, Barroso disse ter perdido a paciência após ter sido perseguido três dias nos Estados Unidos por uma “horda de selvagens”.
“Sim, eu falei 'perdeu, mané, não amola'. Mas gostaria de dizer que só perdi a paciência depois de três dias em que uma horda de selvagens andava atrás de mim, me xingando de todos os nomes que alguém possa imaginar e exatamente no dia em que os mesmos selvagens tinham invadido o telefone celular da minha filha com ameaças e grosserias que essa gente considera normal. Portanto eu, humanamente, perdi a paciência”, afirmou Barroso.
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