A mineira Karina Rosa dos Reis solicitou suspensão definitiva do uso da tornozeleira para realizar o restante do tratamento, mas o ministro Alexandre de Moraes não autorizou; os médicos suspeitam de metástase| Foto: Arquivo pessoal/ Karina Rosa dos Reis
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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), não autorizou que uma ré do 8/1 retire a tornozeleira eletrônica definitivamente para tratar um câncer que teve início na tireoide e pode ter se espalhado para o pulmão, fígado e mama. Karina Rosa dos Reis tem 44 anos, está desempregada e afirma que remover o equipamento eletrônico a cada procedimento gera custos financeiros e preocupação.

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“O sistema penitenciário que faz a retirada não fica na minha cidade”, explica a moradora de Araxá, em Minas Gerais, que precisa viajar cerca de duas horas até o município de Uberaba para remover o dispositivo.

Ao todo, ela já retirou o equipamento eletrônico quatro vezes — nos dias 8 de março, 12 de abril, 10 de maio e 14 de junho —, sempre reinstalando depois. “A tornozeleira dá interferência nos exames, e eu gostaria de continuar meu tratamento sem me preocupar com isso”, pede a mulher.

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A defesa entrou com o pedido dia 30 de julho, informando que os médicos constataram novas lesões e que a paciente solicita “suspensão da utilização da tornozeleira durante continuidade do tratamento médico, exames e internações necessárias”.

Junto ao pedido, foram apresentados laudo da última tomografia realizada pela mineira, guia para agendamento dos novos exames e o parecer médico emitido pelo Hospital Dr. Hélio Angotti, da Associação de Combate ao Câncer do Brasil. O documento informa que Karina passou por cirurgia em abril, realizou tratamento por iodoterapia e segue em “investigação de possível metástase hepática”, aguardando “realização de ressonância”.

No entanto, o ministro Alexandre de Moraes negou o pedido no dia seguinte, 31 de julho, sob argumento de que o documento juntado aos autos não informava a data do referido exame e, por isso, não demonstra “necessidade imediata da flexibilização da cautelar”.

A mineira precisa, então, continuar solicitando à Suprema Corte retirada temporária do monitoramento eletrônico em cada etapa do tratamento.

“É uma violação clara de direitos humanos”, afirma advogado

De acordo com o advogado Ezequiel Silveira, da Associação dos Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro, Karina nem deveria usar tornozeleira eletrônica, pois é “acusada de crimes que não cabem prisão”, aponta o especialista, ao citar que a mulher responde por associação criminosa e incitação ao crime, que têm penas inferiores a quatro anos e, por isso, não são cumpridas em regime fechado.

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Segundo os artigos 286 e 288 do Código Penal (CP), a penalidade atribuída por associar-se a mais pessoas com objetivo de cometer crime varia de um a três anos de prisão, e a de incitar publicamente prática de um ato criminoso é de três a seis meses ou multa.

“Ou seja, a pena máxima somada é de 3 anos e meio, e geralmente réus primários recebem pena mínima”, aponta Silveira, citando o artigo 33 do CP, onde é estabelecido que “o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto”.

O advogado alerta, então, que se os fatos não são penalizados com prisão, “não se pode falar em medidas cautelares diversas da prisão”, como uso de tornozeleira eletrônica. Mesmo assim, Karina usa o dispositivo punitivo desde janeiro de 2023, há cerca de um ano e meio.

“É razoável uma pessoa com câncer permanecer ilegalmente de tornozeleira porque, segundo o ministro, ela não comprovou a necessidade para retirada do aparelho?”, questiona o advogado. “Isso é uma violação clara de direitos humanos”, completa.

A Gazeta do Povo procurou o Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), mas não obteve resposta até a publicação dessa reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.

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Jurista afirma que há duas posições possíveis, ambas legais

Segundo o jurista Gauthama Fornaciari, advogado e professor de direito penal, o uso de medidas cautelares diversas da prisão em casos como o de Karina não é uma questão "pacificada nos tribunais". Então, nem todos os juízes entendem que não cabe prisão preventiva e nem eventual substituição por medida cautelar nos casos em que a pena máxima não ultrapassa 4 anos, apesar de esse ser um posicionamento previsto em lei.

Outro posicionamento, também possível, de acordo com o jurista, é que "a medida cautelar diversa é autônoma em relação à prisão preventiva e cabível para qualquer crime no qual se comine pena de prisão, de forma isolada ou cumulativa", de acordo com o artigo 283, parágrafo 1, do Código de Processo Penal.

Fornaciari informa, no entanto, que nos casos de ré primária, uma eventual condenação à pena inferior a 4 anos possibilitará cumprimento em regime aberto, "sendo comum sua conversão em penas alternativas como prestação de serviços à comunidade".

Ele informa ainda que a lei não prevê prazo para a duração das medidas cautelares, mas que a Constituição Federal garante duração razoável do processo, então a defesa pode solicitar sua revogação, "caso demonstre eventual desídia do órgão judicial, exclusiva atuação da parte acusadora ou outra situação incompatível", informa, citando como exemplo o HC 108.929, de dezembro de 2013, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Quem é Karina Rosa dos Reis?

A mineira de 44 anos trabalhava como massoterapeuta antes dos atos de 8 de janeiro, mas sua situação de saúde e o uso da tornozeleira a impediram de retomar suas atividades após o ocorrido. “Hoje dependo apenas de ajuda”, revela.

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Karina Rosa dos Reis foi presa em frente ao QG de Brasília dia 9 de janeiro de 2023 e liberada onze dias depois. A mulher passou mal na prisão e acabou descobrindo o tumor na tireoide durante exames que fez ao retornar para casa.

Segundo ela, foi preciso remover sua tireoide por meio de uma cirurgia chamada tireoidectomia total e, nos exames de acompanhamento, os médicos encontraram lesões em outros órgãos, como fígado, pulmão e mama. “Mas a metástase hepática é nossa maior preocupação no momento”, diz.

Karina tem duas filhas, de 24 e 27 anos, que não vivem com ela. Divorciada, a mulher mora sozinha e relata adversidades que tem enfrentado. “Há os danos emocionais, limitações que envolvem o uso da tornozeleira, e toda a dificuldade financeira”, enumera, pontuando que o que a sustentou até aqui foi sua “fé em Deus”.

Atualmente, a mineira precisa de ajuda para arcar com custos da defesa jurídica e com os exames urgentes. “O médico recomendou que eu fizesse a próxima ressonância magnética particular, por exemplo, para não esperar muito, mas não tenho condições”, disse. A chave Pix para ajudar a Karina é 34999083509.