
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), recorreu a uma série de recursos que aproximaram seu voto de um discurso político durante o julgamento que tornou o ex-presidente Jair Bolsonaro réu da Corte nesta quarta-feira (26).
Para sustentar a narrativa de que os atos do 8 de janeiro configuraram uma tentativa de golpe, Moraes, que ocupa posição de relator, exibiu um vídeo como forma de comprovar os estragos, fez comentários irônicos sobre “velhinhas com bíblias” e “batons” e tentou justificar seu posicionamento em uma clara tentativa de influenciar a opinião pública.
Uso de termos dramáticos marca voto de Moraes
O uso do vídeo (assista aqui) durante o voto do ministro chamou a atenção de juristas, que viram na medida um excesso de fundamentação, com forte apelo emocional na apresentação. Para o jurista Fabrício Rebelo, trata-se de uma “eloquência acusatória” em uma fase que deveria se deter apenas no recebimento da denúncia – já que depois será avaliada uma possível condenação. A expressão jurídica serve para descrever quando o julgador ultrapassa os limites da fundamentação técnica e antecipa um prejulgamento do caso, mesmo antes da análise de mérito.
Em diversos momentos, Moraes adota um tom irônico para rebater críticas às penas impostas a condenados cujos casos ganharam repercussão e geraram indignação de parte da sociedade. Um dos exemplos é o da cabelereira Débora Rodrigues, no qual o ministro pediu 14 anos de prisão por escrever “perdeu, mané” com batom na estátua da Justiça.
Enquanto exibia imagens de depredação no telão, Moraes narrava: “o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto... nenhuma Bíblia é vista e nenhum batom é visto nesse momento. Agora, a depredação ao patrimônio público, ataque à polícia é visto. O pedido de intervenção militar, que é o golpe, intervenção no Congresso”.
O ministro usou expressões com forte carga dramática, que extrapolam o tom técnico esperado em um julgamento. “É bom lembrarmos que nós tivemos uma tentativa de golpe de Estado violentíssimo. Fogo, destruição ao patrimônio público, dano qualificado. E, agora, o Supremo Tribunal Federal: uma violência selvagem, a incivilidade total com o pedido de intervenção militar de golpe de Estado”, acrescentou.
Neutralidade do magistrado é mais exigida nesta fase do processo
Rebelo comparou a situação à apresentação em Power Point feita pelo Ministério Público Federal em uma coletiva de imprensa para explicar as investigações da Lava Jato. “Se uma apresentação em Power Point exibida pelo Ministério Público Federal (legítimo órgão acusador) foi criticada, o que dizer de um julgador (teoricamente imparcial) que, na sessão de mero recebimento ou não da denúncia, exibe fotos e vídeos sobre a acusação?”, questionou Rebelo na publicação.
O professor de Direito Penal e Criminologia André Pontarolli, mestre em Direito, reforça que esta fase do processo, o recebimento da denúncia, é uma etapa preliminar, sem caráter definitivo. “Esse momento processual exige, portanto, sobriedade e contenção argumentativa. Ainda que a decisão deva ser fundamentada, não deve ocorrer, nesse estágio, uma valoração aprofundada da prova, sob pena de prejulgamento e de comprometimento da imparcialidade do julgador”, avalia.
Segundo Pontarolli, os recursos utilizados podem comprometer a neutralidade exigida de um magistrado. “Nesse contexto, a utilização de recursos como vídeos, ironias e referências político-partidárias não apenas escapa à técnica jurídica esperada, mas também pode representar, ao menos em tese, comprometimento da necessária imparcialidade e sinalizar a hipótese de prejulgamento”, reforça.
Para jurista, discurso inflamado pode ferir presunção de inocência
Ao tratar de uma live realizada no dia 29 de julho de 2021, em que participaram Anderson Gustavo Torres, ex-ministro da Justiça, e Jair Bolsonaro, Moraes faz comentários inflamados ao citar trechos ditos pelo ex-presidente que questionavam a confiabilidade do sistema eleitoral.
“‘A totalização dos boletins de urna’, voltou a dizer o então ministro da justiça, ‘não é possível auditar de forma satisfatória’. Mentira, fraude, notícia falsa. ‘O processo não é possível auditar, o processo entre a votação do eleitor e a contabilização do voto no boletim de urna’. Tudo feito de forma a desacreditar o sistema eleitoral brasileiro”, disse Moraes, em tom crítico.
Pontarolli alerta que a emissão de juízos de valor sobre os fatos, nessa fase do processo, pode violar o princípio de presunção de inocência, especialmente quando o voto assume contornos de um ato público de deslegitimação do acusado. “A presunção de inocência exige contenção retórica do julgador, o qual deve evitar qualquer linguagem que possa sugerir a culpabilidade antes da sentença, até para se evitar uma condenação prévia da opinião pública”, conclui.