Sergio Moro discursa durante solenidade de filiação ao Podemos.| Foto: Robert Alves/Monumental Foto
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Desde abril de 2020, quando deixou de ser ministro da Justiça do governo Bolsonaro, o ex-juiz Sergio Moro tomou “fazer a coisa certa” como uma espécie de lema da sua incipiente carreira política. “Faça a coisa certa sempre” era o slogan estampado em seu Twitter até pouco tempo atrás. Na cerimônia de sua filiação ao Podemos, nesta quarta-feira (10), Moro finalizou seu discurso dizendo: “Vocês sabem que podem confiar que eu sempre vou fazer a coisa certa”. Mas o que é, para Moro, “a coisa certa”?

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Em temas como corrupção e violência, as convicções do ex-juiz são claras e já foram reiteradas diversas vezes, inclusive no próprio discurso de filiação. Já em relação a assuntos como defesa da vida, ideologia de gênero e posse de armas – as chamadas “pautas de costumes” –, ele costuma ser bem mais vago e reservado.

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No discurso da quarta, Moro chegou a tocar mais diretamente em uma dessas pautas, ao falar no problema da dependência de drogas: “Precisamos proteger a família brasileira contra a violência, contra a desagregação e contra as drogas que ameaçam nossas crianças, jovens e adultos”, afirmou ele. “Propomos incentivar a virtude e não o vício, uma sólida formação moral e cidadã”, acrescentou.

Moro também falou em “valores cristãos” ao abordar a necessidade de uma economia mais solidária. “O nosso senso de comunidade impede que adotemos um capitalismo cego, sem solidariedade ou compaixão. O nosso senso de justiça, os nossos valores cristãos e que são compartilhados pelas outras religiões, exigem que as grandes desigualdades econômicas sejam superadas.”

Além disso, no início do discurso, fez uma possível alusão crítica à forma como o atual governo aborda a questão do armamento, ao dizer que “nossas únicas armas serão a verdade, a ciência e a justiça”.

No entanto, em linhas gerais, em seu primeiro discurso como político, o ex-juiz seguiu a sua tendência de sempre: evitar referências diretas a assuntos sociais espinhosos que invadiram o debate público, como ideologia de gênero e aborto.

O que já se sabe sobre as opiniões de Moro em pautas de costumes

Em uma live de agosto de 2020 no canal do YouTube da Necton Investimentos, Moro respondeu a uma questão direta sobre seu posicionamento em temas de costumes.

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“Sou casado com a mesma esposa há mais de 20 anos, tenho família, tenho filhos. Então, em geral, sou uma pessoa conservadora. Não sou dado a grandes comportamentos diferenciados. Sou uma pessoa de família. Agora, eu acho que no âmbito de costumes a tolerância é importante. Vivemos uma democracia, e discursos de ódio contra minorias, inclusive minorias decorrentes de opções sexuais, não são aceitáveis. Acho que nós não podemos incorrer nestes erros que temos visto de discursos de ódio, principalmente em redes sociais”, afirmou.

Em duas ocasiões diferentes em que falou sobre aborto – uma em 2002 e outra em 2020 –, Moro deixou entrever um positivismo jurídico em sua forma de abordar a questão. Em trecho de sua tese de doutorado na Universidade Federal do Paraná (UFPR), ele comenta a decisão da Suprema Corte norte-americana que legalizou o aborto nos Estados Unidos durante os três primeiros meses de gestação.

O ex-juiz elogiou tecnicamente a decisão: “Diga-se em seu favor que ela, de certa forma, representa uma solução intermediária para a questão do aborto, satisfazendo em parte as duas correntes absolutamente opostas sobre o tema”. É preciso ressaltar, contudo, que a tese foi entregue há quase duas décadas, em 2002.

Uma impressão mais recente de Moro relacionada ao aborto foi manifestada também na live do YouTube da Necton Investimentos em agosto de 2020. Um dos entrevistadores questionou o ex-juiz sobre o caso da menina de 10 anos vítima de estupro que realizou um aborto, e Moro sugeriu que a “coisa certa”, no caso em questão, era fazer o procedimento:

“Essa interrupção foi realizada nos termos da lei. A lei autoriza [o aborto] em caso de risco à vida da mãe e em caso de estupro. Foi um procedimento legal. Algumas pessoas discordam em absoluto, mesmo nessas circunstâncias. Outras entendem que são circunstâncias razoáveis. Eu sou um seguidor da lei, basicamente”, disse o ex-juiz.

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O caso, na verdade, é mais complexo: o aborto, segundo uma definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) adotada internacionalmente, só pode ocorrer – nos casos em que não for crime – até as 22 semanas de gestação. A bebê tinha acabado de completar 23 semanas de gestação no dia do procedimento, segundo médicos que acompanhavam o caso.

A mulher do ex-juiz, Rosângela Moro, que costuma postar diversas alusões à fé católica em sua página no Instagram, já se manifestou contra o aborto a meios de comunicação, fazendo algumas ponderações. “Sou absolutamente a favor da vida. Sou contra o aborto. Agora, eu acho que você penalizar, criminalizar, talvez não seja a saída, porque as mulheres pobres, que se submetem a condições desumanas, acabam sendo criminalizadas”, disse ao Estadão. À Marie Claire, Rosângela disse que o aborto “é uma questão de saúde pública”, mas que, pessoalmente, ela é “a favor da vida”.

Apesar de sua mulher se posicionar nas redes sociais como católica, o ex-juiz não costuma dar pistas sobre sua própria crença religiosa. Sabe-se que Deltan Dallagnol, figura pública mais próxima de Moro, também é cristão – o ex-procurador é da Igreja Batista.

Sobre as causas LGBT, Moro nunca falou diretamente, mas, em julho deste ano, parabenizou o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), por ter revelado sua homossexualidade publicamente. “É importante quebrar barreiras e preconceitos”, afirmou via Twitter.

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Em temas relacionados à segurança pública, Moro tem alguns posicionamentos parecidos com o do governo Bolsonaro, mas também algumas divergências que teriam facilitado sua saída do governo.

Ele já se manifestou, por exemplo, a favor da redução da maioridade penal para crimes gravíssimos de 18 para 16 anos, em acordo com um projeto que tramita no Congresso. Essa pauta também é defendida pelo presidente Jair Bolsonaro.

Sobre o acesso a armas, Moro é favorável a uma mudança menos ampla do que a proposta por Bolsonaro, apesar de não ter contrariado o presidente em relação ao decreto sobre armas enquanto era ministro. Em entrevista à Globonews posterior à sua saída do governo, o ex-ministro disse: “Talvez eu pudesse ter me insurgido mais em relação a isso”.

Moro disse que “concorda até determinado nível” com o decreto, e acha que “flexibilizar a posse de arma em casa mais é algo aceitável”, mas que, acima de determinado ponto, começa-se a “gerar uma política perigosa”. “Esses armamentos podem ser desviados para o crime e você não tem rastreamento adequado”, disse o ex-juiz à Globonews.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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