Antes de morrer
O desembaraço burocrático que a morte de alguém exige fica menor com algumas providências que devem ser tomadas, independentemente da idade ou condição de saúde
Partilha
- Um testamento público ou particular (devidamente assinado por testemunhas não beneficiadas), a divisão dos bens em vida ou a constituição de uma holding familiar, na qual o patrimônio é transformado em cotas e estas são divididas entre os herdeiros (sócios), são formas legais de fazer a distribuição da herança e facilitar o inventário. O dono dos bens pode dispor de metade do patrimônio como bem entender. A outra metade é dos herdeiros legítimos (filhos, pais ou cônjuges, nessa ordem).
Relações bancárias
- Mantenha a conta corrente e as aplicações financeiras em conjunto com o cônjuge ou alguém de sua confiança. Isso evita que o saldo entre no inventário e permite a movimentação bancária sem operações fraudulentas.
Imóveis
- Bens imóveis devem estar devidamente regularizados. Elimine contratos de gaveta, pendências hipotecárias e de financiamento, deixando tudo em dia em cartórios de imóveis e tabelionatos, com as escrituras atualizadas. A atualização post-mortem, além de atrasar o inventário, custa dinheiro, com pagamento de impostos extras.
Seguro de vida
- Informe-se sobre apólices, regras para pagamento de prêmios e exigências das seguradoras em caso de sinistro. Conte à família sobre os seguros contratados e os pagamentos das parcelas, que devem estar em dia.
Documentação
- Organize a papelada em uma pasta: documentos pessoais e dos herdeiros, como certidões de nascimentos, casamento e divórcio. Mantenha também contratos de seguradoras, registros imobiliários, de planos funerários ou lotes em cemitérios, cópias de testamento ou a orientação para os herdeiros em caso de morte. E informe a família onde isso tudo fica guardado.
Combine a conduta com seu médico
Conversar sobre os procedimentos que deverão ou não ser adotados em caso de doenças terminais ou estados vegetativos também é uma orientação para quem quer fazer valer seus desejos até o fim. Incentivar essas conversas pode, na verdade, poupar dinheiro no longo prazo. Um estudo com pacientes sofrendo de câncer avançado, publicado em março de 2009 no Archives of Internal Medicine, mostrou que os custos de tratamento durante a última semana de vida foram 55% maiores entre os que não haviam discutido a própria morte com os médicos.
Morrer não faz parte da lista de desejos de ninguém, mas definitivamente é a única certeza da vida, como dizem os mais velhos. O evento não tem agendamento prévio e, apesar de a idade avançada ser a referência mais comum de que o fim está próximo, pode acontecer a qualquer hora. Em uma cultura em que a morte é tratada como tabu, falar em preparativos para o falecimento soa soturno e macabro. Ninguém está pronto para morrer, sob nenhum aspecto. Porém discutir questões práticas com a família e adotar alguns procedimentos em vida pode tornar um pouco menos complicado esse momento tão doloroso para quem fica.
A principal orientação dos especialistas em direito sucessório é deixar a casa em ordem. Evitar pendências jurídicas ? atualizar certidões, contratos e documentação pessoal ? é o primeiro passo para que a família não sofra com transtornos burocráticos e tenha de decidir sobre questões financeiras enquanto lida com a perda de alguém querido, o que afeta o discernimento. ?Organizar a papelada e informar a família sobre isso é fundamental?, explica o advogado André Bonat Cordeiro, do escritório Alceu Machado, Sperb & Bonat Cordeiro, de Curitiba.
Custo extra
A empresária Rosane Gutjhar, 53 anos, aprendeu a duras penas como é importante ter a documentação familiar e pessoal organizada para o caso de ser surpreendida pela morte. Seu marido, Rolf Gutjhar, foi uma das vítimas do acidente do avião da Gol com o jato Legacy, em 2006. De um dia para o outro, Rosane viu a vida da família desabar. ?Tive de assumir a empresa, a casa, a filha, tudo sozinha, e ainda lidar com a minha perda depois de uma morte brutal e completamente inesperada?, conta.
Os trâmites legais de inventário e sucessão na empresa custaram mais caro do que deveria com a cobrança de honorários e taxas inexistentes, exigidos por advogados que viram no caso uma boa chance de enriquecer. ?Gastei mais dinheiro do que o necessário por falta de informação e por medo. Rolf falava em fazer testamento e deixar tudo organizado, mas eu o impedia de tocar no assunto?, diz. ?Quando aconteceu a tragédia, me arrependi de não tê-lo ouvido. A necessidade deve ser maior do que o medo da morte.?
A vida ensina. Para não submeter a filha Luiza, de 8 anos, aos mesmos transtornos que passou com a morte do marido, Rosane tomou uma atitude radical. Transferiu para o nome da menina toda a herança que lhe é de direito: ações da empresa, imóveis e aplicações financeiras. ?Só o carro ficou no meu nome, que é um bem de giro rápido e que preciso que seja desburocratizado para vender, trocar, acionar seguro em caso de acidentes?, explica.
Luiza só poderá assumir o patrimônio aos 25 anos. Até lá, se a mãe morrer, dois tutores respondem pela herança. Tudo registrado em cartório e acompanhado pelo Juizado da Vara da Criança e Adolescência, que faz auditorias periódicas nas contas da garota. ?Com isso, ela não vai correr o risco de fazer um mau negócio ou cair em mãos inescrupulosas por estar emocionalmente abalada por causa da minha morte?, avalia Rosane.
Herança
Além de enfrentar olhares alheios sobre o patrimônio do falecido, muitas vezes a própria família tem problemas para se entender sobre herança e sucessão. Inventários ? procedimento que relaciona bens e herdeiros, avalia o patrimônio e o divide de acordo com o que diz a lei ? são longos e dispendiosos. Há inúmeras formas legais de prever a divisão dos bens ainda em vida e, assim, facilitar o processo de partilha depois da morte.
?Os testamentos são os instrumentos mais clássicos. O autor pode dispor de metade dos bens como quiser. A outra metade é dividida entre os herdeiros legítimos ? filhos, pais ou cônjuges ?, conforme a legislação?, explica Cordeiro. Os bens também podem ser doados em vida, com o usufruto do antigo proprietário. ?A prática é pouco recomendada por dificultar a compra e venda dos imóveis, por exemplo?, diz o advogado.
O indicado é a constituição de uma holding familiar. O patrimônio é transformado em cotas que são divididas entre os herdeiros, tornados sócios. ?Tudo é feito legalmente, com registro na Junta Comercial e com o auxílio de um advogado. Esse instrumento é mais moderno e evita trâmites burocráticos do inventário. É uma boa forma de evitar litígio entre herdeiros?.
Conta conjunta
Outros cuidados simples também ajudam na hora de lidar com a papelada. Contas correntes e aplicações financeiras devem ser conjuntas. Quando a movimentação bancária só pode ser feita pelo titular, sua morte impede o resgate do saldo por terceiros. ?Vai para o inventário, e a família pode ficar sem ter como pagar o supermercado. Vai ser preciso um alvará judicial para mexer nesse dinheiro?, afirma o advogado. Usar o cartão com a senha do falecido vai complicar o inventário mais tarde. A operação após a data da morte pode ser considerada fraudulenta.
A transparência é a melhor forma de deixar a família tranquila depois de morrer. A contratação de seguros de vida, planos funerários e outros benefícios deve ser informada aos familiares. Os prêmios de seguro só são pagos aos beneficiários quando as parcelas estão em dia ? mesmo para procedimentos funerários. Muitos exigem que a seguradora seja notificada primeiro para que sejam tomadas as devidas providências e reembolsos. ?Muitos não contam para a família que têm seguro e morrem sem que ninguém reclame a apólice ou receba o benefício?, diz Cordeiro.
O desembaraço burocrático que a morte de alguém exige fica mais fácil com algumas providências que devem ser tomadas, independente da idade ou condição de saúde do indivíduo. Confira, abaixo, cinco dicas que podem facilitar a vida dos parentes na hora mais difícil:
No vídeo abaixo, o advogado André Bonat Cordeiro explica como constituir uma holding familiar:
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