Morrer não faz parte da lista de desejos de ninguém, mas definitivamente é a única certeza da vida, como dizem os mais velhos. O evento não tem agendamento prévio e, apesar de a idade avançada ser a referência mais comum de que o fim está próximo, pode acontecer a qualquer hora. Em uma cultura em que a morte é tratada como tabu, falar em preparativos para o falecimento soa soturno e macabro. Ninguém está pronto para morrer, sob nenhum aspecto. Porém discutir questões práticas com a família e adotar alguns procedimentos em vida pode tornar um pouco menos complicado esse momento tão doloroso para quem fica.
A principal orientação dos especialistas em direito sucessório é deixar a casa em ordem. Evitar pendências jurídicas ? atualizar certidões, contratos e documentação pessoal ? é o primeiro passo para que a família não sofra com transtornos burocráticos e tenha de decidir sobre questões financeiras enquanto lida com a perda de alguém querido, o que afeta o discernimento. ?Organizar a papelada e informar a família sobre isso é fundamental?, explica o advogado André Bonat Cordeiro, do escritório Alceu Machado, Sperb & Bonat Cordeiro, de Curitiba.
Custo extra
A empresária Rosane Gutjhar, 53 anos, aprendeu a duras penas como é importante ter a documentação familiar e pessoal organizada para o caso de ser surpreendida pela morte. Seu marido, Rolf Gutjhar, foi uma das vítimas do acidente do avião da Gol com o jato Legacy, em 2006. De um dia para o outro, Rosane viu a vida da família desabar. ?Tive de assumir a empresa, a casa, a filha, tudo sozinha, e ainda lidar com a minha perda depois de uma morte brutal e completamente inesperada?, conta.
Os trâmites legais de inventário e sucessão na empresa custaram mais caro do que deveria com a cobrança de honorários e taxas inexistentes, exigidos por advogados que viram no caso uma boa chance de enriquecer. ?Gastei mais dinheiro do que o necessário por falta de informação e por medo. Rolf falava em fazer testamento e deixar tudo organizado, mas eu o impedia de tocar no assunto?, diz. ?Quando aconteceu a tragédia, me arrependi de não tê-lo ouvido. A necessidade deve ser maior do que o medo da morte.?
A vida ensina. Para não submeter a filha Luiza, de 8 anos, aos mesmos transtornos que passou com a morte do marido, Rosane tomou uma atitude radical. Transferiu para o nome da menina toda a herança que lhe é de direito: ações da empresa, imóveis e aplicações financeiras. ?Só o carro ficou no meu nome, que é um bem de giro rápido e que preciso que seja desburocratizado para vender, trocar, acionar seguro em caso de acidentes?, explica.
Luiza só poderá assumir o patrimônio aos 25 anos. Até lá, se a mãe morrer, dois tutores respondem pela herança. Tudo registrado em cartório e acompanhado pelo Juizado da Vara da Criança e Adolescência, que faz auditorias periódicas nas contas da garota. ?Com isso, ela não vai correr o risco de fazer um mau negócio ou cair em mãos inescrupulosas por estar emocionalmente abalada por causa da minha morte?, avalia Rosane.
Herança
Além de enfrentar olhares alheios sobre o patrimônio do falecido, muitas vezes a própria família tem problemas para se entender sobre herança e sucessão. Inventários ? procedimento que relaciona bens e herdeiros, avalia o patrimônio e o divide de acordo com o que diz a lei ? são longos e dispendiosos. Há inúmeras formas legais de prever a divisão dos bens ainda em vida e, assim, facilitar o processo de partilha depois da morte.
?Os testamentos são os instrumentos mais clássicos. O autor pode dispor de metade dos bens como quiser. A outra metade é dividida entre os herdeiros legítimos ? filhos, pais ou cônjuges ?, conforme a legislação?, explica Cordeiro. Os bens também podem ser doados em vida, com o usufruto do antigo proprietário. ?A prática é pouco recomendada por dificultar a compra e venda dos imóveis, por exemplo?, diz o advogado.
O indicado é a constituição de uma holding familiar. O patrimônio é transformado em cotas que são divididas entre os herdeiros, tornados sócios. ?Tudo é feito legalmente, com registro na Junta Comercial e com o auxílio de um advogado. Esse instrumento é mais moderno e evita trâmites burocráticos do inventário. É uma boa forma de evitar litígio entre herdeiros?.
Conta conjunta
Outros cuidados simples também ajudam na hora de lidar com a papelada. Contas correntes e aplicações financeiras devem ser conjuntas. Quando a movimentação bancária só pode ser feita pelo titular, sua morte impede o resgate do saldo por terceiros. ?Vai para o inventário, e a família pode ficar sem ter como pagar o supermercado. Vai ser preciso um alvará judicial para mexer nesse dinheiro?, afirma o advogado. Usar o cartão com a senha do falecido vai complicar o inventário mais tarde. A operação após a data da morte pode ser considerada fraudulenta.
A transparência é a melhor forma de deixar a família tranquila depois de morrer. A contratação de seguros de vida, planos funerários e outros benefícios deve ser informada aos familiares. Os prêmios de seguro só são pagos aos beneficiários quando as parcelas estão em dia ? mesmo para procedimentos funerários. Muitos exigem que a seguradora seja notificada primeiro para que sejam tomadas as devidas providências e reembolsos. ?Muitos não contam para a família que têm seguro e morrem sem que ninguém reclame a apólice ou receba o benefício?, diz Cordeiro.
O desembaraço burocrático que a morte de alguém exige fica mais fácil com algumas providências que devem ser tomadas, independente da idade ou condição de saúde do indivíduo. Confira, abaixo, cinco dicas que podem facilitar a vida dos parentes na hora mais difícil:
No vídeo abaixo, o advogado André Bonat Cordeiro explica como constituir uma holding familiar: