Rins, cérebro e coração são mais afetados
Rins, cérebro e coração são os órgãos que mais sofrem com as drogas, especialmente quando ocorre a mistura de duas ou mais substâncias. Relatórios do Serviço Europeu de Polícia (Europol) e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC) mostrou que as anfetaminas e o ecstasy desenvolvidos em laboratório alcançaram o segundo posto em número de usuários no mundo, atrás apenas da maconha. "Estamos na geração da anfetamina sintética. Mas isso não quer dizer que os usuários deixaram de consumir cocaína ou crack", diz Dulce Bais, enfermeira e professora da UFPR.
Segundo Dulce, associadas ao uso do álcool, as anfetaminas provocam o aumento dos batimentos cardíacos e da temperatura corporal, favorecendo um rompimento de vasos que irrigam o cérebro o que pode causar até uma morte súbita. "O coração não suporta a sobrecarga de comandos, exigindo que bata mais rápido do que deveria, por ordem do sistema nervoso central", explica a professora.
Em curto prazo, o cérebro sofre com a desidratação causada pelo uso excessivo das substâncias químicas. No médio prazo, o fígado se torna o órgão mais atingido, normalmente pelas chamadas hepatites tóxicas (lesão provocada por substâncias químicas). Caso não sejam devidamente tratadas, há avanço natural para a cirrose, com o comprometimento da estrutura e do trabalho do órgão. "Se escapar da hepatite, pode-se evoluir para cirrose, cuja única alternativa é o transplante", afirma Dulce.
Governo prevê R$ 4 bilhões para combate ao crack
Na semana passada, o governo federal lançou um plano para enfrentar a disseminação das drogas na sociedade, especialmente o crack, com a previsão de aplicar R$ 4 bilhões na área até 2014. O programa está estruturado em três eixos: cuidado, prevenção e autoridade. No cuidado, estão previstas a criação de enfermarias especializadas no tratamento de dependentes químicos e a implantação de consultórios de rua.
A ideia para a prevenção é capacitar educadores para trabalharem em escolas e comunidades afetadas pelas drogas, enquanto na autoridade o objetivo é encontrar meios de repreender o tráfico de entorpecentes. "A prevenção, envolvendo a educação para os pais e para os estudantes, é fundamental. Também é preciso alertar para o consumo do álcool e pensar que tipo de exemplo os pais estão dando aos filhos", afirma Dulce Bais. Cristiane Venetikides diz que, se não houver prevenção, o trabalho pode ser comparado a "enxugar gelo". "A sociedade é uma usina de dependentes. É a prevenção que vai frear", afirma.
Estatísticas mostram apenas parte do problema
Os dados do Datasus apontam para uma situação assustadora. O problema, contudo, é ainda pior. Os índices obtidos pelo levantamento não consideram casos de câncer de pulmão, atribuídos na maior parte dos casos ao ato de fumar, e levam em conta apenas os óbitos relacionados às questões de saúde estima-se que 80% dos homicídios do país estejam relacionados às drogas.
Somente o câncer de pulmão já merece consideração à parte. Em 2009, conforme o Instituto Nacional de Câncer (Inca), 21.069 pessoas morreram devido à doença número semelhante ao total de 22.484 óbitos relacionados ao uso de todos os tipos de drogas segundo o Datasus. Além disso, o médico psiquiatra Saint-Clair Bahls afirma que diagnósticos envolvendo uso de drogas nem sempre são precisos. "Há muitos casos em que o médico não tem como afirmar se a morte se deve ao abuso do álcool ou de outra substância. A dependência leva a pessoa a ter menor capacidade de cuidar da saúde", relata.
A coordenadora do programa de Saúde Mental da prefeitura de Curitiba, Cristiane Venetikides, também avalia que o problema é ainda mais grave, já que não há estatísticas indicando quantos casos de morte no trânsito se relacionam à combinação de álcool e volante. "Essa mortalidade é muito mais alta. Grande parte das mortes de trânsito tem a participação do álcool", afirma.
As mortes causadas por drogas cresceram em um ritmo superior ao dos acidentes de trânsito nos últimos 14 anos no Brasil: 58% contra 17%. Embora os acidentes com veículos matem mais em números absolutos, os dados são um reflexo do foco de atenção do país. Há mais de uma década, o Brasil tenta criar mecanismos para coibir a violência no trânsito e viu as mortes saltarem de 35,5 mil para 41,6 mil de 1996 a 2010. Por outro lado, o esforço concentrado no combate às drogas é mais recente. E os números são prova dessa realidade: os índices pularam de 14,2 mil para 22,5 mil, segundo o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, o Datasus. Pior: nos dados coletados pela reportagem, não estão contabilizadas algumas doenças provocadas pelo abuso de drogas, como o câncer de pulmão, nem os homicídios atrelados ao tráfico de entorpecentes.
O levantamento da Gazeta do Povo se baseou em metodologia da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), que estabelece uma série de causas de óbitos relacionados ao uso de substâncias lícitas e ilícitas, que variam do ópio à cocaína. "Houve trabalho de educação para o trânsito, relacionado ao Código de Trânsito de 1998 e à própria Lei Seca. Quanto às drogas, houve crescimento do consumo em torno de 170% e, por isso, mais pessoas morreram", explica Dulce Bais, doutora em Educação, enfermeira com mestrado em Psiquiatria e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) na área de Educação para a Saúde.
As soluções para coibir essas mortes não são simples e precisam necessariamente envolver prevenção e fiscalização. Apesar de o governo ter lançado políticas públicas recentes para combater as drogas sobretudo o crack , o caminho ainda é longo. No início deste mês, a União anunciou que investirá R$ 4 bilhões até 2014 em um plano que inclui, entre outros elementos, a internação compulsória de dependentes químicos e a criação de 308 consultórios de rua, ambulatórios móveis que tratam de pessoas em situação de risco. "Qualquer programa que se volte para a prevenção em saúde é melhor do que tratar dependentes. É preciso aumentar as condições para que essas pessoas se envolvam em atividades saudáveis", afirma Saint-Clair Bahls, doutor em Medicina e professor da UFPR e Universidade Positivo.
De acordo com Dulce Bais, existe uma série de políticas públicas sérias no país, mas esbarra-se no cumprimento delas. "Muitas vezes, o governo federal lança o programa, mas a efetivação depende de estados e municípios. É preciso que governadores, secretários e prefeitos tenham conhecimento e saibam aplicar as políticas públicas", diz. Levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostra que 91% das mais de 5 mil cidades brasileiras já sofrem com as consequências do crack.
Permissividade
Na avaliação da coordenadora do Programa de Saúde Mental da prefeitura de Curitiba, Cristiane Venetikides, a resposta da sociedade deve começar com uma mudança de hábitos. "Até quando seremos permissivos em mostrar o tempo todo pessoas bebendo? Todas as festas contam com álcool, a porta de entrada para todas as outras drogas", diz. Em resumo, ela propõe a criação de leis que façam com as bebidas alcoólicas o que se fez com o cigarro: o tabagista era glamouroso, mas deixou de ser. "Se a pessoa abusa de maconha, tende à nicotina e ao álcool. São, na realidade, dependências associadas", afirma Bahls.
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