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O pai de Mauro morreu sete anos antes do acidente que originou a ação de indenização | Sandra Terena
O pai de Mauro morreu sete anos antes do acidente que originou a ação de indenização| Foto: Sandra Terena

Revogação

Depois que a Gazeta do Povo protocolou pedido para ter acesso à ação aberta em nome do falecido José de Oliveira Borges (e que resultou em decisão favorável ao morto no STJ), a juíza da 2ª Vara Cível de Paranaguá, Mércia do Nascimento Franchi, determinou a realização de uma audiência para esclarecer o caso. O encontro ocorreu no dia 27 de novembro de 2013. A juíza decretou a nulidade da execução provisória e pediu para que na ação originária fosse trocado o nome do morto pelo do filho dele, o pescador Mauro de Oliveira Borges.

Romaria

A notícia do não pagamento de indenizações já liberadas pela Justiça a pescadores provocou uma verdadeira romaria ao Fórum de Paranaguá. Além disso, lideranças da Ilha de São Miguel, Ilha das Peças, Ponta de Ulbá e Superagui disseram que a maioria dos pescadores encontra dificuldade de obter informações sobre os processos.

Relato

"Tinha um advogado no escritório que cuidava só das viúvas"

O pescador Jamil Ferreira Fernandes morreu em 1999, cinco anos antes da explosão do navio Vicuña no terminal da empresa Cattalini, em Paranaguá. Porém, há um processo em nome dele, contra a Cattalini, tramitando na Justiça de Paranaguá. A empresa desconhece a morte e avalia uma proposta de acordo no valor de R$ 1,2 mil. A Gazeta do Povo teve acesso à ação, ajuizada em 2004. Os documentos são de Jamil, mas a procuração está assinada em nome do irmão dele, Jail Ferreira Fernandes, falecido em 2006.

Analfabeta, a viúva de Jamil, Jurema Fernandes, alega ter sido orientada pela advogada Cristiane Uliana a pedir a indenização em nome do marido morto porque ela não tinha carteirinha de pescadora, embora essa fosse sua atividade profissional à época. Jurema ignora a ilegalidade do ato e ainda tem esperança de receber o dinheiro. "Eu falei para a advogada que meu marido já havia morrido e ela disse que tinha um advogado no escritório que cuidava só das viúvas." (O.E.)

A Petrobras e a Sociedad Naviera Ultragas causaram os três desastres ambientais mais graves dos últimos 15 anos no Litoral do Paraná. Por isso, respondem na Justiça a mais de 10 mil processos movidos por pescadores. Os vazamentos do poliduto Olapa e do navio Norma, em 2001, suspenderam a pesca por seis meses. A explosão do navio chileno Vicuña, em 2004, deixou-os sem trabalho por 51 dias. As reparações aos trabalhadores levaram anos para sair, foram pagas apenas parcialmente até agora e há casos claros de ilegalidade. Além da falta de repasse aos pescadores de valores já liberados pela Justiça, conforme a Gazeta do Povo mostrou nesta semana, há casos de mortos que nunca viveram da pesca e mesmo assim tiveram indenizações liberadas pela Justiça.

A Gazeta identificou ações abertas em nome de pessoas que faleceram antes dos acidentes. Um desses mortos nunca havia sido pescador. As irregularidades ocorreram tanto nas ações contra a Petrobras quanto nas que envolvem a Ultragas chilena.

A maioria das ações contra a Petrobras ainda não tem decisão final, mas alguns processos foram executados parcialmente. Por ordem dos tribunais, a empresa depositou, por exemplo, R$ 73 mil na conta judicial aberta em nome de José de Oliveira Borges. Embora a 2.ª Vara Cível de Paranaguá tenha liberado por execução provisória um alvará de R$ 37 mil, o valor não foi sacado porque José não assinou uma procuração que permita a retirada – nem poderia, pois morreu em 1994, sete anos antes dos acidentes ambientais. Ainda assim, desta conta foram retirados R$ 1,9 mil, de custas cartoriais, para 2.ª Vara Cível.

Além de ter falecido há 20 anos, José nunca trabalhou como pescador. A ação foi ajuizada em nome do morto pela advogada Cristiane Uliana, mas no processo constam os documentos pessoais do filho dele, Mauro de Oliveira Borges, que é pescador artesanal. "Meu pai nunca foi pescador, conhecia peixe apenas na peixaria", garante Mauro. O processo teve trânsito em julgado no Superior Tribunal de Justiça no dia 26 de agosto de 2013, com decisão favorável ao morto.

Outro processo aberto por Cristiane em nome de José de Oliveira Borges, contra a Petrobras, tramita na 1.ª Vara Cível de Paranaguá. A ação não traz documentos do morto e sim de Rosilda Cunha Lopes, de quem o filho de Borges, Mauro, nunca ouviu falar. De acordo com dados da ação, a advogada peticionou em nome do falecido sabendo que os documentos eram de Rosilda: a própria advogada pede prazo de 60 dias no processo para localizá-la, o que não ocorreu.

Outros casos

Outro processo contra a Petrobras tramita na Justiça em nome de Alberto Ferreira Lopes, morto 19 anos antes do acidente que originou a ação de indenização. Em ofício à Justiça de Paranaguá, de 7 de dezembro de 2010, a advogada Cristiane Uliana solicita audiência para produção de prova testemunhal "visando a comprovação da legitimidade ativa do autor nos autos". Lopes não compareceu à audiência marcada em 2011 pelo juiz Hélio Arabori. Nem poderia. Ele morreu em 1985. No despacho da audiência, o juiz pede habilitação dos herdeiros na ação, mesmo com o atestado de óbito comprovando que Alberto havia morrido muitos anos antes do acidente, o que o torna parte ilegítima da ação.

Outro lado

A Gazeta do Povo tentou por diversas vezes ouvir a advogada Cristiane Uliana, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. Foram feitas tentativas de entrevista por e-mail, telefone e pessoalmente, no escritório dela em Paranaguá.

Pescador tem duas ações, motivadas pelo mesmo acidente

O pescador Jail Ferreira Fernandes teve duas ações contra a Cattalini abertas em seu nome – as duas motivadas pelo mesmo acidente. A empresa fez um acordo para pagar R$ 1,2 mil para Jail e outros 792 pescadores. O valor foi repassado pela Cattalini em cheques coletivos, que continham várias indenizações. Jail não chegou a receber a indenização, porque morreu meses antes do pagamento, no dia 14 de outubro de 2006.

A viúva de Jail, Nazir Ferreira Fernandes, diz não ter recebido o dinheiro da indenização do marido. "Procurei o advogado para receber o dinheiro da indenização, mas ele me informou que eu deveria fazer um inventário e que não compensaria, pois esse processo seria mais caro que os R$ 950 que ele repassaria sobre o acordo da Cattalini", reclama.

Em 2007, um ano depois da morte de Jail, a advogada Cristiane Uliana entrou com mais um processo indenizatório contra a Cattalini em nome dele. O processo coletivo incluía outros 51 pescadores. Em 2010 a advogada desistiu do processo, que foi arquivado. A viúva de Jail diz desconhecer a ação póstuma.

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