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Perigo de acidente cresce

A psicóloga especialista em trânsito Adriane Picchetto Machado afirma que o motorista com distúrbios psicológicos é mais suscetível à perda do controle e da atenção. Dessa forma, o risco de acidentes aumenta, bem como de atritos com outras pessoas pelos motivos mais fúteis – uma simples ultrapassagem, por exemplo.

"A pessoa estressada fica em alerta. Portanto, qualquer coisa a irrita. No caso dos motoristas de ônibus, esse risco é maior", aponta a psicóloga. Como o estresse acaba se refletindo no organismo, com dores em diversas regiões do corpo, o motorista fica mais distraído. "Ele mantém a atenção no que o incomoda, que pode ser uma dor de cabeça ou no estômago, e pode não prestar atenção ao volante", argumenta.

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"Se tivesse outra profissão, estaria casado e com meus filhos"

Se tivesse outra profissão, o motorista de ônibus Ilton Jacinto Meneses, 35 anos, acredita que ainda estaria casado e morando com os dois filhos. Separado há quatro anos e há um ano e oito meses de licença-médica por problemas psiquiátricos – toma antidepressivos, além de fazer terapia com uma psicóloga –, ele credita boa parte da responsabilidade por sua separação aos problemas que levava do trabalho para casa. "Minha filha dizia que não dava para ficar perto de mim quando eu chegava do trabalho", relata.

Quando procurou ajuda, o médico psiquiatra que o atendeu chegou a dizer que era uma irresponsabilidade deixá-lo trabalhar naquele estado. Pouco antes de se licenciar, quando estava no ponto mais crítico do estresse, Meneses andava com a marreta de bater pneu do lado não só de medo de assalto, mas também para ameaçar passageiros que o irritavam. Um dia, trabalhando na linha Ligeirinho, Meneses apagou as luzes do ônibus para não ter de pegar nenhum passageiro, tamanho era o nível de irrritação. Em outro, chegou a deixar o ônibus no meio da rua, sendo convencido por uma colega a voltar ao trabalho. "O ônibus te ensina a ser mal-humorado. Ou você atende a todo mundo, ou já é xingado. O povo não entende que o motorista é ser humano e também erra", diz.

O trânsito cada vez mais intenso aliado à pressão para o cumprimento de horários, aos riscos de assaltos e à irritação de passageiros têm deixado cobradores e, principalmente, motoristas de ônibus de Curitiba e região estressados e depressivos – o que pode contribuir para a ocorrência de acidentes. É o que indica levantamento do Sindimoc, sindicato que representa a categoria na capital e nos municípios vizinhos, segundo o qual 8% dos filiados estão de licença médica por conta de distúrbios psicológicos ou psiquiátricos – o que representa 880 trabalhadores do total de 11 mil filiados da entidade.

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O número pode ser maior, levando-se em conta os que ainda não buscaram tratamento e seguem na ativa. "Os motoristas e cobradores de Curitiba são os mais bem preparados do Brasil, mas estão andando no limite. Por exemplo, para cumprir horários apertados, eles têm que encontrar formas, como ultrapassar o sinal amarelo para ganhar tempo", afirma o presidente do Sindimoc, Denilson Pires.

É o caso de Marcos Golenha, 39 anos. Há uma década trabalhando como motorista, ele percebeu que nos últimos três meses estava agressivo com companheiros de trabalho e familiares. Também não dormia direito, chegando a cochilar ao volante quando o ônibus parava no semáforo. Ao procurar ajuda médica, o diagnóstico foi depressão – Golenha está de licença há 25 dias.

"Cheguei ao ponto que não acertava mais o itinerário da linha em que eu trabalhava. Um dia, dirigindo um Alimentador, parei em uma estação-tubo para embarcar passageiros", relata o motorista, que está em tratamento psiquiátrico, tomando antidepressivo, e também psicológico.

De tudo o que enfrentava no dia-a-dia de trabalho, o que mais incomodava Golenha era a má educação de passageiros. Certa vez, após não ouvir a campanhia do ônibus, parando apenas no ponto adiante, Golenha foi pedir desculpas a uma senhora e acabou agredido com um tapa no rosto. "A gente vai somando, somando e acaba descontando em quem não tem nada a ver, ou seja, a família e os amigos." Por conta dessa situação, a esposa dele também está em tratamento psicológico.

Ana Paula Brilhante, psicóloga do Sindimoc e das empresas de transporte Colombo e Castelo Branco, afirma que quando os motoristas procuram auxílio psicológico, o distúrbio já dá indícios no organismo. "Muitas vezes eles chegam com colesterol alto, diabete, labirintite, gastrite, tudo reflexo do distúrbio mental", aponta.

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Jornada

O gerente de operação do transporte coletivo da Urbs (empresa que gerencia o transporte coletivo em Curitiba), Luiz Filla, afirma que, ao lado de Brasília, a capital paranaense é a única cidade do Brasil onde motorista e cobrador cumprem jornada de 6 horas diárias – nas outras , o usual é próximo de 7 horas e meia. Mas o que seria um benefício para que a categoria atuasse com mais tranqüilidade pode estar tendo o sentido oposto.

Tudo porque, afirma Filla, alguns motoristas e cobradores podem estar cumprindo jornada dupla, aproveitando o tempo menor no trabalho para manter uma atividade paralela. "A Urbs vai rever a jornada de trabalho dos motoristas e cobradores para evitar essa situação. Uma das possibilidades é exigir exclusividade com uma compensação salarial."

Quanto à tabela de horários, Filla afirma que a Urbs está constantemente avaliando os prazos dos itinerários. Como exemplo, ele cita o itinerário do eixo Norte-Sul: após os técnicos constatarem a necessidade de ampliar o horário, o itinerário de ida e volta do Terminal do Santa Cândida para o Capão Raso passou de 105 minutos para 114 em horários normais e de 100 para 106 nos horários de pico. "Os próprios motoristas podem sugerir ampliação da tabela, por meio das empresas", salienta o gerente de operação.