Ouça este conteúdo
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) abriu inquérito para investigar suposta prática de racismo pela Polícia Militar de São Paulo em razão de "monitoramento e fiscalização ostensivas" durante o evento Caminhada São Paulo Negra, ocorrido em 24 de outubro, que promoveu um passeio em pontos turísticos ligados à história dos negros na capital paulista. Na portaria de instauração da investigação, a Promotoria de Justiça de Direitos Humanos aponta que o modo como se deu a atuação da Polícia Militar sugere "manifestação de racismo estrutural".
"Não há, no caso concreto, colisão de direitos, mas, ao que parece, despreparo da Polícia Militar para agir de modo minimamente adequado ou, o que se mostra mais factível, manifestação expressa de racismo institucional, decorrente do racismo estrutural. Afinal, a segurança pública, numa ordem democrática, reclama e pressupõe a plena fruição de direitos por todos os cidadãos. As liberdades de reunião e de empreender não podem ser limitadas por riscos imaginários à segurança pública", sustentou a Promotoria em portaria assinada no último dia 29 de outubro.
O documento, assinado pelo promotor Eduardo Ferreira Valerio, ainda pede ao Comandante Geral da Polícia Militar que preste informações objetivas, detalhadas e específicas sobre o caso, além de encaminhar cópia do relatório final da operação realizada em relação à Caminhada São Paulo Negra. A promotoria quer que a PM esclareça o que motivou a atuação da corporação.
O inquérito foi instaurado após representação apresentada ao MP-SP por Guilherme Soares Dias, dono da empresa de turismo Blackbird Viagem, responsável por organizar a Caminhada São Paulo Negra. Segundo ele, a Polícia Militar do Estado de São Paulo teria acompanhado de modo próximo e ostensivo, com motos e cavalaria, o evento privado, constrangendo o exercício profissional da empresa.
"Trata-se de um passeio turístico à pé pelas ruas e praças do centro de São Paulo, monitorado por um guia turístico, passando por lugares que ajudam a reconstituir a presença da população negra na capital paulista e a sua contribuição na formação do povo paulista, tais como a antiga Forca e a Igreja Nossa Senhora dos Enforcados, ambos no bairro da Liberdade, o antigo pelourinho no Largo Sete de Setembro, a Faculdade de Direito onde estudou Luiz Gama, o antigo mercado escravo no Largo da Memória, além da estátua da Mãe Preta, ao lado da igreja dos pretos, a de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no Paissandu", registrou a Promotoria.
Segundo relatos feitos ao MP-SP, policiais militares acompanharam o grupo de 12 pessoas que realizava o passeio, alegando que teriam recebido um ofício indicando a ocorrência de uma manifestação e que, por isso, precisariam acompanhá-la. A PM seguiu o grupo por três horas, mesmo tendo sido sinalizado que não se tratava de uma manifestação, mas de um passeio turístico promovido por uma empresa privada.
Ao determinar a abertura do inquérito, a Promotoria sinalizou que os fundamentos jurídicos que serviam como base para a investigação eram o direito à reunião, a rejeição ao racismo e o direito à liberdade econômica e à livre iniciativa; todos de raiz constitucional. "Cabe, portanto, ao Poder Público atuar de modo a assegurá-los em sua plenitude, adotando providências para evitar conflitos e expressões de violência que vitimem os participantes do ato e os próprios agentes públicos, além de promover o combate ao racismo e garantir a liberdade assegurada à livre atividade econômica", registra o documento.
Segundo o MP-SP, o discurso de "defesa da segurança pública" alegado pela PM para acompanhar a caminhada "não pode ser pretexto para o embaraço do direito de reunião pacífica e de exercício de atividade econômica".
Na avaliação de Valerio, a prática da Polícia Militar "violou direito fundamental das pessoas envolvidas na atividade empresarial turística, das pessoas que se voltam ao conjunto das atividades turísticas na cidade de São Paulo, como atividade comercial e à população paulistana em geral e sua expressiva parcela de negros em particular, cerca de 36%, que se vê fortemente violada em sua dignidade fundamental com uma prática explícita de preconceito racial por parte de uma instituição do Estado".
Outro lado
A reportagem de Estadão Conteúdo buscou contato com a Polícia Militar de São Paulo, mas não obteve retorno até a publicação da matéria.