Detalhes da sessão de tortura foram revelados ontem pela promotora Carmen Eliza de Carvalho| Foto: Tânia Rego/ABr

Gravação

Ligação mostra que policiais teriam tentado negociar entrega de corpo

Agência O Globo

Quatro dias depois da sessão de tortura de Amarildo de Souza na sede da UPP da Rocinha, um homem que se apresentou como delegado da 15ª DP (Gávea) negociou com traficantes da favela, pelo telefone, a entrega do corpo do ajudante de pedreiro. Na conversa, parte das escutas da Operação Paz Armada, o homem que se identifica como "autoridade policial" afirma que "a paz será selada" se o corpo aparecer.

No decorrer do diálogo, gravado durante uma ligação entre um traficante e um policial militar infiltrado na quadrilha, o próprio bandido alega que "a morte do Boi (apelido de Amarildo) foi de responsabilidade da UPP do major". Ele se referia a Edson Santos, ex-comandante da unidade, preso acusado pelo sequestro seguido de morte de Amarildo.

Procurado pelo Globo, o delegado Orlando Zaccone, titular da 15ª DP, disse que nunca falou com qualquer traficante, e não se recorda da escuta telefônica. Já Ruchester Marreiros, à época delegado adjunto da unidade, também negou ter participado do diálogo, mas se lembra da gravação. De acordo com Ruchester, como havia indícios do envolvimento de traficantes na morte de Amarildo, a polícia tinha a estratégia de tentar que o tráfico confessasse onde estava o corpo.

Na última sexta-feira, o major Edson Santos e o ex-subcomandante da UPP da Rocinha, tenente Luiz Felipe de Medeiros, também acusado pela morte de Amarildo, foram transferidos do Batalhão Especial Prisional da PM para Bangu 8. Os advogados deles entraram com um habeas corpus contra a transferência, pedida pelo MP para separá-los dos outros presos.

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Do total de 25 policiais denunciados até agora, oito foram enquadrados por omissão, já que teriam condições de parar a tortura e nada fizeram para cessá-la. Houve ainda 17 acusados por ocultação de cadáver, quatro por fraude processual e 13 por formação de quadrilha.

O Ministério Público (MP) do Rio de Janeiro denunciou ontem à Justiça mais 15 policiais militares supostamente envolvidos na morte do pedreiro Amarildo de Souza, 43 anos. Ao todo, 25 PMs já foram acusados formalmente pelo MP. Até o momento, de acordo com a promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho, foi possível identificar quatro PMs que tiveram participação ativa nas torturas que mataram Amarildo, desaparecido desde 14 de julho, após ser levado por policiais até a sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, na capital fluminense.

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Cinco PMs que ficaram dentro de um contêiner durante a sessão de tortura e colaboraram com a investigação reconheceram as vozes do soldado Anderson Maia, do tenente Luiz Medeiros, do soldado Douglas Vital e do sargento Reinaldo Gonçalves – todos os quatro teriam presença ativa nas agressões.

De acordo com Eliza, a sessão de agressões ocorreu atrás do equipamento da UPP, no alto da favela da Rocinha. O pedreiro teria sido submetido a afogamento, com a cabeça dentro de um balde d’água, asfixia com saco plástico e choques elétricos com pistola Taser, de uso restrito e controlado pelo Exército. Ainda segundo a promotora, o corpo teria sido retirado pelo telhado e enrolado pela capa da motocicleta de um dos PMs, atada com fita crepe. O MP não conseguiu avançar nas apurações sobre o destino dado ao cadáver de Amarildo.

Eliza afirma que o major Edson dos Santos, comandante da UPP na época do crime, cometeu fraude por duas vezes: uma, quando teria forjado um telefonema atribuído ao traficante Catatau em que ele diz ter sido responsável pela morte do pedreiro e outra por ter, supostamente, jogado óleo sobre o piso da área onde a tortura ocorreu, para despistar a perícia em busca de gotas de sangue no local.

No caso da ligação, os peritos descobriram que a voz que seria de Catatau era, na verdade, de um policial, que ligara para um número que Santos sabia estar grampeado para imputar aos traficantes a morte de Amarildo. Na análise da promotora, o major liderava a quadrilha e estava na sede da UPP durante todo o tempo que o pedreiro era torturado.

O corregedor da Polícia Militar, Cezar Augusto Tan­ner, que estava ao lado dos promotores do Ministério Público, afirmou que "os PMs envolvidos vão parar de trabalhar a partir de agora" e elogiou o trabalho dos representantes do MPRJ.

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