Na espera há mais de um ano
Adriana Aparecida Prestes (foto), 30 anos, viveu por mais de um ano o dilema de ir trabalhar ou cuidar do filho. Ainda em 2014, ela decidiu por trabalhar, mas, para isso, teve de deixar Artur, de 1 ano e meio, com uma vizinha. "Ela cuida de várias crianças aqui. Pago R$ 400 por mês. Ganho pouco. Se meu marido não trabalhasse, não sei como seria", conta.
Ela mora na localidade do Vitória Régia, na Cidade Industrial de Curitiba. "Quando fiz a inscrição, o Artur tinha cinco meses", comenta.
Renata Caron, 28 anos, amiga de Adriana e também moradora do Vitória Régia, por outro lado, não consegue encontrar trabalho. Sem dinheiro para pagar a "mãe crecheira" do bairro, ela tem aguardado há cinco anos por uma creche. Seu filho, João Vitor, de 5 anos, nunca frequentou a escola. Guilherme, de 1 ano, também está na lista de espera. "No ano todo, abre, às vezes, só três, quatro vagas no Cmei", comenta.
Entrevista
Para conselhos tutelares, prefeitura viola direitos à educação infantil
Comissão de Educação dos Conselhos Tutelares de Curitiba
A Comissão de Educação dos Conselhos Tutelares de Curitiba se manifestou sobre a falta de vagas na educação infantil. Em entrevista à Gazeta do Povo, por e-mail, os nove integrantes da comissão responderam, em conjunto, como a prefeitura tem tratado o tema na cidade.
Muitas mães têm reclamado da falta de vagas nos Cmeis?
Sim. Vale salientar, inclusive, que a Secretaria Municipal de Educação reconheceu em 2013 uma lista de espera de aproximadamente 10 mil crianças. Porém, os Conselhos Tutelares e o Ministério Público da Educação reconhecem que a demanda é superior. As mães hoje são provedoras de suas famílias e precisam estar no mercado de trabalho. Assim, com o descumprimento deste direito, as crianças ficam expostas a diversas situações de risco e, algumas vezes, são deixadas aos cuidados de adolescentes ou crianças, sendo violados outros direitos.
Como o conselho tutelar procede quando recebe uma reclamação de falta de vaga?
Os conselhos tutelares recebem todas as famílias que nos procuram a fim de garantir a vaga na educação infantil. É solicitada a documentação da criança, de seu responsável legal e o comprovante de residência. Requisitamos a vaga ao Núcleo Municipal de Educação de cada regional, citando os Cmeis próximos da residência da criança. Após a negativa da vaga, o conselho tutelar faz uma representação em nome da família no Ministério Público da Educação.
Como a prefeitura tem respondido aos alertas dos conselhos tutelares?
Em algumas situações não recebemos resposta. Desta forma, reiteramos o ofício. No dia 7 de maio deste ano, nós informamos o prefeito de Curitiba quanto à dificuldade do conselho tutelar em garantir o direito das crianças à educação infantil. Até o presente momento não obtivemos resposta.
Como a Comissão de Educação analisa o trabalho realizado pela prefeitura até agora na educação infantil?
Com total falta de comprometimento dela. A prefeitura de Curitiba é um dos maiores violadores dos direitos da criança na educação infantil.
Diego Ribeiro
Problema antigo
As ações do MP para garantir o atendimento em creches de Curitiba não são de agora. Ainda em 2009, o então prefeito Beto Richa assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que previa uma série de providências. Segundo o MP, a maior parte do TAC foi cumprida, mas a demanda por vagas dos anos seguintes, 2010 e 2011, não foi suprida.
Uma ação civil pública proposta pela Promotoria de Justiça de Proteção à Educação do Ministério Público do Paraná na última segunda-feira exige da prefeitura de Curitiba o atendimento integral das 10 mil crianças de 0 a 5 anos que aguardam vagas nos Centros Municipais de Educação Infantil (Cmeis) e também cobra um planejamento adequado para atender outras 14 mil que precisarão do serviço até 2016.
Os dois inquéritos que embasaram a ação mostram que o MP fez várias diligências à prefeitura desde o início da atual gestão, mas não conseguiu uma resposta efetiva para o problema.
Segundo o MP, a prefeitura previu a construção de apenas 35 Cmeis até 2017, número que atenderia 7 mil crianças. Na semana passada, o prefeito Gustavo Fruet anunciou um número um pouco maior: 46 Cmeis até 2016. Mas o número ainda é considerado incapaz de atender à demanda manifesta desde 2013.
De acordo com a promotora responsável pela ação, Hirmínia Dorigan de Matos Diniz, em um primeiro momento o MP solicita que o município oferte 10 mil novas vagas para o início do ano letivo de 2015, de modo a atender à demanda mais urgente da fila de espera. Em um segundo momento, a ação exige que mais 14 mil vagas sejam criadas até o início do ano letivo de 2016, tendo em vista, principalmente, a Emenda Constitucional 59 que obriga que, a partir de 2016, todas as crianças de 4 anos frequentem a escola.
Além disso, a ação solicita a divulgação da lista nominal das crianças que aguardam na fila, para que o MP possa acompanhar as matrículas e averiguar eventuais denúncias quanto aos critérios de prioridade; e que o município inclua a verba para a criação das vagas na Lei Orçamentária Anual (LOA), cujo prazo de envio para o Legislativo é até 31 de agosto. Conforme levantamento do MP, o custo aproximado para a construção dos 120 Cmeis necessários é de R$ 240 milhões.
Alternativas
Apesar da urgência do assunto, Hirmínia reconhece a necessidade de um prazo razoável para que o município consiga adaptar-se às exigências, por isso a fixação dos prazos para 2015 e 2016. No entanto, a promotora alerta que, caso não seja possível construir novas unidades de Cmeis, outra solução terá de ser oferecida às famílias. Uma sugestão levantada pelo MP é a matrícula das crianças em escolas da rede privada, por meio de processo licitatório.
"O município possui discricionariedade sobre de que forma vai viabilizar a oferta dessas vagas, mas não possui discricionariedade sobre o comando constitucional. Por isso pedimos a intervenção do Judiciário para garantir o direito fundamental da criança à educação", diz a promotora.
Ainda segundo Hirmínia, embora possua autonomia o município não pode interromper a oferta de atendimento integral para que as creches consigam matricular mais crianças em dois períodos. "É ilegal, pois fere o princípio da proibição do retrocesso social, que determina que um avanço social conquistado não pode ser retirado da comunidade", explicou.
Outro lado
A reportagem entrou em contato com a prefeitura, que informou por meio de nota que a Procuradoria-Geral do Município (PGM) aguarda o recebimento da ação para avaliar o seu teor e então se pronunciar sobre o assunto.
Aviso
Fruet foi alertado sobre os recursos insuficientes planejados para a área
A ação civil proposta pelo MP diz que o prefeito Gustavo Fruet foi alertado formalmente sobre os recursos insuficientes planejados para o triênio para as creches. Mesmo assim, segundo o documento, o município não alterou a previsão, fato considerado ainda mais grave pelo MP.
Ainda segundo o documento, durante as negociações entre o órgão e a gestão municipal feitas antes da proposição da ação civil, a Promotoria de Defesa à Educação teria sido surpreendida por uma contraproposta inadequada do município.
Depois de receber do MP uma minuta do Termo de Ajuste de Conduta (TAC), diz o texto da ação civil, o município apresentou algumas sugestões de mudanças: propôs atender até 2016 apenas 50% da lista de espera dos Cmeis. "Definitivamente a proposta modificativa não pôde ser aceita, seja por representar disponibilidade indevida do interesse público, seja por contrariar o próprio texto constitucional", explica o despacho da promotoria.
O MP justificou ainda que a lista de espera deve ser atendida "de pronto". Além disso, o município queria ainda retirar a cláusula de multa, caso não cumprisse o TAC.
A prefeitura de Curitiba não quis se manifestar ontem sobre a ação civil pública e nem sobre o tema.
Estado
O MP do Paraná tem trabalhado para que todos os municípios do est ado tenham um planejamento adequado até 2016, quando a Emenda Constitucional 59 entrará em vigor. Já foi realizado levantamento de falta de vagas em creches e pré-escola em todo estado e, com isso, muitos promotores têm conseguido termos de ajuste de conduta com várias prefeituras.
91 Cmeis ou a Arena?
O valor investido pela prefeitura de Curitiba na Arena da Baixada construiria 91 Centros Municipais de Educação Infantil (Cmeis), com capacidade para 18.200 crianças. Segundo a prefeitura de Curitiba, a construção de cada creche custa R$ 2,4 milhões. Em janeiro deste ano, a prefeitura anunciou que havia investido R$ 219,7 milhões com obras diretamente relacionadas ao estádio da Copa do Mundo na cidade, sendo R$ 143 milhões liberados na forma de títulos de potencial construtivo.
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