O Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul abriu inquérito para apurar se houve improbidade administrativa de funcionários da Prefeitura de Santa Maria e do Corpo de Bombeiros na tragédia que deixou 235 mortos na cidade do interior gaúcho. Para o promotor Cesar Augusto Carlan, "há evidências claras" de que houve falha na fiscalização da boate Kiss, cujas licenças de funcionamento e prevenção contra incêndios estavam vencidas. "Apurar se houve uma possível responsabilidade de agentes públicos [na tragédia] é o objetivo agora do nosso inquérito", disse Carlan.
A casa noturna, que pegou fogo no último domingo, estava sem alvará de funcionamento da prefeitura desde 31 de março do ano passado. A fiscalização do município fez vistoria no estabelecimento em abril, mas os dois funcionários escalados para o trabalho não informaram ao governo sobre modificações que haviam sido feitas na planta original da boate, aprovada dois anos antes os donos construíram um anexo de 234 metros quadrados. Os dois agentes devem prestar depoimento à polícia na sexta-feira.
Em pronunciamento ontem, o prefeito César Schirmer (PMDB) e seus secretários não souberam informar por que a boate nunca foi fiscalizada em quase três anos de funcionamento. Eles responsabilizaram os bombeiros pela falta de fiscalização no local. "Os nosso agentes que fizeram a vistoria em abril vão ser punidos se viram irregularidades e não nos informaram. Nós respeitamos a lei, o alvará dos bombeiros estava vencido e eles deveriam ter feito a fiscalização", argumentou o secretário de Governo, Giovani Manica. "Não temos autoridade para fechar a boate", declarou o prefeito, que não quis responder às perguntas da imprensa após ler seu discurso. Ele anunciou um decreto que proíbe qualquer estabelecimento noturno do município de fazer festas pelos próximos 30 dias.
O comando dos bombeiros, por sua vez, limitou-se a informar que já tinha enviado na tarde de ontem a documentação solicitada pela Polícia Civil e pelos promotores. A corporação não se pronunciou sobre os motivos de o alvará de prevenção de incêndios da boate estar vencido desde 14 de agosto. Até o início da noite de ontem, porém, os alvarás concedidos pelos bombeiros à boate não estavam nas mãos nem do MP nem do delegado Marcelo Arigoni, responsável pelo inquérito.
Banda diz que pane elétrica causou fogo
Em depoimento dado ao Ministério Público, integrantes da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava no momento da tragédia, afirmaram que o incêndio não foi causado pelo sinalizador manipulado por eles, mas sim por uma pane elétrica no equipamento da boate. "Eles dizem que o sinalizador era de fogo frio, sem pólvora, que não poderia incendiar material algum e que já haviam usado isso em outras apresentações, inclusive na mesma boate", afirmou a promotora Waleska Agostini.
O delegado regional Marcelo Arigony, no entanto, contesta essa versão e afirma que a banda comprou um equipamento que não era apropriado para lugares fechados. "Eles compraram um sinalizador de pirotecnia mais barato, que sabiam que era exclusivamente para ambientes abertos, porque falaram que era mais barato", explicou Arigony. "O sinalizador para ambiente aberto custava R$ 2,50 a unidade e, para ambiente fechado, R$ 70."
"Sputnik"
Segundo Valter Jeremias, um dos diretores da Associação Brasileira de Pirotecnia (Assobrapi), o fogo frio é diferente do fogo normal porque suas fagulhas não queimam. Ele usa como exemplo a vela faísca que geralmente é usada em bolos de aniversário. "Se você colocar a mão perto da faísca, ela não queima, mas o suporte esquenta do mesmo jeito e pode causar queimaduras."
Jeremias afirma, no entanto, que os sputniks tipo de rojão que supostamente foi usado pela banda não são feitos de fogo frio. "Para usar pirotecnia em um ambiente fechado, você precisa antes de um estudo de um profissional especializado nisso."