O Ministério Público Federal (MPF) enviou, na semana passada, uma recomendação à Copel e à Eletrosul para que seus funcionários não se aproximem das casas dos ribeirinhos da região onde será construída a Usina Hidrelétrica (UHE) de Mauá da Serra (110 quilômetros de Londrina, região norte do Paraná). O consórcio Cruzeiro do Sul, formado pelas duas estatais, é acusado de forçar os moradores a deixarem suas residências imediatamente, mediante pagamento de indenizações. O consórcio nega ter abordado os ribeirinhos.

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No mês passado, o advogado Gabriel Jock Granado conseguiu na Justiça de Ortigueira um interdito proibitório com o mesmo objetivo: que os integrantes do consórcio se mantenham longe dos ribeirinhos sob pena de multa diária de R$ 500. A decisão é da juíza Gabriela Scabello Milazzo. O advogado atua na defesa dos agricultores Geomira Biscaia de Oliveira, 47 anos, e Pedro Rodrigues Biscaia, 83 anos. Ambos sofreram acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e a família relacionam os derrames à abordagem que teriam sofrido para deixar suas casas (leia mais nesta página).

"Qualquer ato tendente à instalação da usina, seja para abrir canteiro de obras, adquirir áreas ou deslocar pessoas é ilegal e irregular. A empresa só poderá fazer isso a partir da Licença de Instalação, que ainda não foi concedida", afirma o procurador da República João Akira Omoto, autor de ações contra supostas irregularidades da UHE de Mauá. "Se alguma ação dessas acontecer, o consórcio pode ser denunciado por violação dos direitos humanos daquela comunidade", reagiu o procurador. Ele avalia que a "situação legal da UHE é muito delicada".

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"Afirmamos categoricamente que não havia nenhuma pessoa do consórcio, Copel ou Eletrosul nesta data (24 de agosto) no local e tudo o que sabemos é que alguém abordou aquela senhora (Geomira). Já fizemos a defesa e vamos solicitar um inquérito policial para identificar se alguém foi lá e quem se passou por empregado da Copel", disse Sérgio Lamy, diretor do Consórcio Cruzeiro do Sul.

"Queremos isso esclarecido. Se a polícia identificar essa pessoa, vamos ser exemplares porque não fazemos isso", assegurou. De acordo com o executivo, a procuradoria do consórcio recomendou que não fossem realizadas reuniões separadas com ribeirinhos.

As suspeitas podem minar ainda mais o já tumultuado cronograma da UHE, que não consegue sair do papel. A energia da unidade já foi vendida e a produção deveria começar em 10 de janeiro de 2011.

Funcionários têm de manter 150 metros de distância

"A Usina vai ser erguida a 70 metros da casa deles e a Justiça determinou que a Copel fique pelo menos a 150 metros de distância", explicou o advogado Gabriel Jock Granado, que obteve na Justiça o interdito proibitório. Em outra ação, ainda sem julgamento, ele pede que R$ 1,2 milhão dos R$ 950 milhões para as obras da UHE de Mauá da Serra sejam congelados na conta do Consórcio ou da Construtora J. Malucelli para garantir o pagamento da indenização à família da sua cliente, a agricultora Geomira Biscaia de Oliveira. Numa terceira ação, Granado quer que o dinheiro seja usado para pagar fisioterapia, remédios, uma empregada e um médico para prestarem serviços à agricultora até o fim de sua vida. "A saúde dela está comprometida para sempre. Uma mulher que fazia de tudo hoje sequer consegue andar". O advogado alega que a família vive "um caso típico": "É uma disparidade ver como um negócio bilionário se abate sobre os ribeirinhos".

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Pai de agricultora também foi vítima de derrame

Desde 24 de setembro, a família Biscaia, há 48 anos no vilarejo de Palmital de Natingui, em Ortigueira, não é mais a mesma. Segundo Elaine de Oliveira Biscaia, 28 anos, neste dia, sua mãe, a agricultora analfabeta Geomira Biscaia, 49 anos, sofreu um derrame que, por pouco, não a matou. "Ela estava sozinha no sítio quando um funcionário chegou e avisou que o canteiro de obras ia ser ali. Se não deixássemos a terra por R$ 6 mil, o trator ia passar em cima de tudo", diz a filha. "Ela nunca teve problemas de saúde: era saudável, plantava e pescava. Essa coisa terrível de usina até agora só serviu para fazer sofrer. Nossa família vem sendo destruída desde esse dia. Não podem tirar as pessoas sob ameaça. É crime", revolta-se.

Elaine Biscaia conta que seu avô, Pedro Biscaia, foi visitar a filha na UTI e também sofreu um derrame no dia seguinte. "Ele também passou muita crise de nervos. Está todo mundo abalado. Não devia ter acontecido jamais", diz Elaine.

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