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Caso Marcius Melhem

MP-SP quer investigar jornalista como cúmplice de crimes de assédio contra mulheres

O jornalista Ricardo Feltrin gravou um vídeo em seu canal do YouTube para falar sobre a notificação do Ministério Público de São Paulo que quer investigá-lo após ter feito uma série de conteúdos que questionam a denúncia de algumas mulheres de assédio sexual. (Foto: Reprodução | YouTube)

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O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) quer investigar o jornalista Ricardo Feltrin por possíveis crimes de misoginia e propagação de ódio contra mulheres. Segundo o promotor de Justiça Paulo Henrique Castex, Feltrin teria sido cúmplice de Marcius Melhem, ator e humorista, acusado de perseguir e violentar psicologicamente vítimas de assédio. A notificação, emitida no último mês de dezembro, afirma que as publicações do jornalista “são todas parciais” e que contêm “viés explicitamente favorável ao investigado, Marcius Melhem”.

Um grupo de mulheres, que assim como Marcius Melhem, trabalhavam na TV Globo fez uma série de acusações de assédio sexual contra o humorista em 2020. O processo prescreveu e foi suspenso, sem concluir se Melhem era realmente culpado. Agora, o humorista está sendo acusado de violência psicológica contra vítimas de assédio. O jornalista Ricardo Feltrin, que acompanhava o mundo dos famosos, passou a cobrir o caso e, segundo ele, apurou que as mulheres haviam mentido sobre as situações que viveram com o humorista.

Feltrin ainda acusa o grupo de usarem a máquina pública a favor delas. Segundo o jornalista, a advogada delas tinha relações próximas com o Partido dos Trabalhadores. Algumas das envolvidas chegaram a ser recebidas pela primeira-dama Janja da Silva, a ministra das Mulheres Cida Gonçalves e a presidente do PT Gleisi Hoffmann.

Ainda segundo a notificação assinada por Castex, as publicações do jornalista veiculam “verdadeiros ataques contra a intimidade, a privacidade e a saúde psicológica das vítimas”. O promotor afirma também que Feltrin “aplica um falso verniz de jornalismo” a conteúdos “cujo o principal objetivo é a veiculação leviana de boatos e ataques reiterados às mulheres que denunciaram ter sido vítimas de crimes praticados por Marcius Melhem”.

“Eu estou sendo acusado de prejudicar psicologicamente pessoas que mentiram”, afirmou o jornalista ao comentar a notificação em seu canal no YouTube. “Eu tenho alguma acusação de calúnia desde que comecei a cobrir esse caso em janeiro de 2020? Não. Difamação? Não. Danos morais? Não também. Injúria? Não também. Tem alguma acusação dessas 200 matérias que eu fiz de fake news? Não tem, nenhuma, né?”, questiona.

Posicionamento do MP-SP fere liberdade de expressão e liberdade de imprensa, segundo especialista

Apesar de o promotor de justiça colocar em dúvida a profissão de Feltrin na notificação, o jornalista tem uma vasta experiência na área. Feltrin ocupou cargos de repórter, editor e colunista em diversos veículos como Folha de São Paulo e UOL por mais de 20 anos. Ele atuou em editorias de política a cobertura do mundo das celebridades e desde abril atua como jornalista independente.

Para o advogado constitucionalista e consultor jurídico em liberdade de expressão, André Marsiglia, o posicionamento do MP fere a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. “O jornalismo pode se posicionar. Ele pode ser crítico, analítico, agudo, ácido. Tudo isso faz parte do jornalismo. O jornalismo não é você simplesmente relatar uma informação. É você se posicionar e analisar a respeito dela”, considera.

A legislação brasileira prevê punição para os profissionais da imprensa que extrapolam suas funções, segundo Marsiglia. “O jornalismo pode ser ilícito e abusar. Quando ele sai do trilho e há crimes contra a honra, isso pode e deve ser aferido e punido. Mas essa punição se dá na esfera cível-criminal por ofender a honra de alguém. E quem deve fazer isso [abrir o processo] é a própria pessoa ofendida e não o Ministério Público”, ressalta.

Imprensa tem sido vista como um perigo à sociedade

“Pela primeira vez na história, um jornalista está sendo suspeito por fazer jornalismo. Tirando talvez em ditaduras, né?”, diz Feltrin no vídeo em que se defende. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a imprensa pode ser responsabilizada pelo o que é dito por entrevistados. A presença de termos vagos como “indícios concretos” deixou a tese vaga, o que, para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, impõe autocensura a jornais. Nesse cenário, é mais provável que os veículos evitem a divulgação de conteúdos que possam causar problemas jurídicos.

A tese definida pela Suprema Corte não tem relação direta com o caso de Feltrin, mas colabora com um movimento contra a atividade jornalística, segundo Marsiglia. “Essa decisão do STF estimula e instiga outras entidades públicas - ou até mesmo da sociedade civil - a entenderem a imprensa como um perigo à sociedade” comenta. “Antigamente, a gente entendia que a imprensa nos protegia dos poderes públicos, agora os poderes públicos parecem que querem nos proteger da imprensa. Isso é uma inversão de valores”, conclui Marsiglia.

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