Plenário do STF, durante julgamento que descriminalizou porte de maconha para consumo pessoal| Foto: Carlos Moura/STF
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O Ministério Público de São Paulo apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um recurso contra a decisão de junho que descriminalizou o porte de maconha para consumo pessoal. No recurso, chamado de embargos de declaração, o órgão diz que a redação da parte dispositiva do acórdão (trecho do documento que oficializa a decisão) possibilita interpretações, dentro de processos judiciais, no sentido de livrar de punição penal usuários de outras drogas ilícitas, como cocaína, ecstasy, heroína, entre outras.

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O recurso não busca criminalizar novamente o porte de maconha para uso pessoal, mas somente eliminar contradições, omissões e obscuridades na decisão, que fixou limite de até 40 gramas ou seis plantas de cannabis sativa para considerar uma pessoa usuária, caso não haja indício de que pretendia vender a droga.

Cabe ao relator da ação, Gilmar Mendes, analisar o recurso e pedir para que seja julgado no plenário do STF, com os demais ministros.

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“O dispositivo do venerando acórdão, logo de início, afirma a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, afastando qualquer efeito de natureza penal, sem qualquer menção quanto à espécie de droga”, diz o MP-SP, reproduzindo, em seguida, a redação inicial da parte dispositiva, segundo a qual a Corte decidiu “declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 28 da Lei 11.343/2006, de modo a afastar do referido dispositivo todo e qualquer efeito de natureza penal, ficando mantidas, no que couber, até o advento de legislação específica, as medidas ali previstas”.

O trecho seguinte do dispositivo do acórdão deixa claro que a decisão vale apenas para a maconha. “Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa”, diz a decisão, na parte dedicada à tese de repercussão geral (a regra que passa a valer para todos os casos).

Mesmo assim, para o MP-SP, haveria uma contradição, em razão de não ser mencionado na parte inicial que a descriminalização limita-se apenas à maconha. “Depreende-se da leitura do inteiro teor do acórdão que não foi intenção da Corte descriminalizar a conduta de posse para consumo pessoal de outras drogas”, diz o órgão.  

“No entanto, no primeiro trecho acima citado (alínea ‘i’), o dispositivo do acórdão não reproduz esse entendimento, tendo em vista a redação que lhe foi dada, que abre espaço para interpretação de que não mais persiste a natureza penal da incidência do mesmo artigo 28 da Lei de Drogas também para as demais substâncias ilícitas, e não apenas para a Cannabis sativa”, afirma, depois no recurso.

O MP-SP pediu para o STF retificar o documento, explicitando, na parte inicial e em outras seguintes, que a descriminalização só vale para a maconha.  

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“Mantém-se, desse modo, o sentido daquilo que foi deliberado por essa Corte, afastando-se, ao mesmo tempo, interpretações, que já começam a surgir, no sentido de que o Supremo Tribunal Federal considerou penalmente atípica a conduta do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, qualquer que seja a droga ilícita”, alertou o órgão.

Em outra parte do recurso, o MP-SP ainda apontou omissão na redação quando se refere à “substância cannabis sativa”. Esclareceu que a Cannabis sativa é uma planta, sendo que a substância entorpecente e motivo da proibição é o tetrahidrocannabinol (THC). O órgão afirma que há variedades de fumo – como o haxixe e o skunk – com concentrações maiores de THC que a erva seca. Por isso, pediu ao STF que esclareça se os 40 gramas vale igualmente para a maconha comum e esses outros produtos mais potentes, ou se é o caso de estabelecer limites diferentes – eventualmente mais baixos – para o porte deles para consumo pessoal.

Por fim, o MP-SP recorreu contra a exclusão do órgão nos mutirões que serão realizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para rever as condenações de pessoas que foram condenadas sem indícios de tráfico, de modo que possam se livrar das penas.

“Não há justificativa para que a instituição, titular da ação penal pública e fiscal da ordem jurídica, não seja chamado a participar de tal ‘apuração’ e ‘correção’ das prisões”, contestou o órgão recurso, assinado pelo procurador-geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa.

Defensoria recorreu para retirar usuário de maconha da presença de um juiz

A Defensoria Pública de São Paulo também apresentou embargos de declaração, mas para esclarecer outros pontos do acórdão. O primeiro deles se refere à situação em que uma pessoa é flagrada com mais de 40 gramas de maconha. Nesses casos, o STF definiu que ela também possa ser considerada usuária, desde que o juiz aponte nos autos prova suficiente dessa condição. Para a Defensoria, deveria ocorrer o inverso: o juiz deve considerar que não há prova suficiente de que a pessoa tinha por objetivo vender a droga.

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“O texto promove indevida inversão do ônus da prova ao exigir que o magistrado aponte prova da condição de usuário para decidir pela atipicidade da conduta, quando deveria, com a devida vênia, tendo em vista o princípio da presunção da inocência e o próprio sistema acusatório, exigir-lhe em sua fundamentação, ao invés, não a prova da condição de usuário pela defesa, mas sim a ausência de provas da traficância para concluir pela atipicidade da conduta”, diz.

Essa mudança na redação abre a possibilidade de que, se uma pessoa for flagrada com quantidades muito maiores de maconha – e aqui a Defensoria não estabelece um limite, o que poderia, em hipótese, abarcar 400 gramas, 4 quilos... – se não houver outra prova de tráfico, ela seria liberada. Entre as provas admitidas pelo STF estão:

  • forma de acondicionamento da droga;
  • circunstâncias da apreensão;
  • variedade de substâncias apreendidas;
  • apreensão simultânea de instrumentos como: balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes.

Em outra parte do recurso, a Defensoria Pública pede o esclarecimento sobre a quem competirá sancionar o usuário com advertência e comparecimento a programa educativo. Essas medidas não terão mais o caráter penal – ou seja, o usuário não mais responderá a um processo penal e condenado, o que mancharia sua ficha corrida.

O STF determinou que a aplicação dessas sanções fique a cargo de um juiz criminal, até que o CNJ regulamente melhor o procedimento. A mesma decisão, porém, determinou que o Executivo crie “órgãos técnicos”, compostos por especialistas em saúde pública, para aplicar aos usuários e dependentes a advertência e o comparecimento a programa educativo.

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Para a Defensoria, seria um procedimento semelhante ao de Portugal, de caráter administrativo, que dispensa o comparecimento do usuário perante um juiz. “Modelos como o de Portugal direcionam a pessoa para políticas públicas com equipe técnica especializada no acolhimento, mas também com competência administrativa para indicar as medidas legais (advertência, medidas educativas, dentre outras) mais adequadas em cada caso”, diz o órgão.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]