Ação do MPF publicada na quarta-feira (9) pede R$500 mil por dano moral e coletivo por suposta negligência quanto à vacinação infantil| Foto: José Cruz/Agência Brasil
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O Ministério Público Federal, por meio do procurador Cleber Eustáquio Neves, protocolou uma ação civil pública, nesta quarta-feira (9), em que pede que enquanto não forem concluídas as fases 3 e 4 do desenvolvimento das vacinas contra a Covid-19 e encerrados todos os estudos clínicos referentes aos imunizantes, a obrigatoriedade da vacinação contra o vírus para menores de 18 anos não seja incluída nos calendários vacinais, como o Programa Nacional de Imunizações (PNI) e o Plano Nacional de Operacionalização da vacinação contra a Covid-19 (PNO).

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O procurador também pede que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e todos os entes federados sejam proibidos de publicar notas técnicas ou atos administrativos que autorizem a vacinação de crianças e adolescentes sem a presença (ou expressa autorização por escrito) dos pais ou responsáveis. Também é solicitado que sejam disponibilizados, nos locais de vacinação, ao menos duas modalidades de vacinas contra o vírus, de tecnologias diferentes, dentre outras medidas, como o distanciamento mínimo de oito semanas entre uma dose e outra.

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Na denúncia, pede-se que a Anvisa apresente nos autos relatório com todos os eventos adversos notificados em menores de 18 anos que tomaram as vacinas contra a Covid-19 até o momento, indicando o imunizante aplicado, as datas das doses, a descrição do evento adverso reportado e, na hipótese de falecimento, a data do óbito. O mesmo deve ser feito em relação a fetos com anomalias congênitas e abortos em mulheres que receberam a inoculação.

Quanto às fabricantes das vacinas Pfizer, Coronavac, Astrazeneca e Janssen, o procurador do MPF pede que pelos próximos dez anos as empresas mantenham, em todo o país, equipes de profissionais para monitoramento da evolução do quadro clínico de crianças e menores de 18 anos vacinados com seus produtos e que tenham apresentado eventos adversos.

Ainda segundo os termos da petição, União, Anvisa e fabricantes deverão criar um fundo para depósitos de valores em conta judicial para eventuais tratamentos e indenizações a crianças e adolescentes que apresentarem problemas de saúde relacionados às vacinas pelo prazo mínimo de 10 anos. Os depósitos mensais das empresas seriam referentes a 5% do valor de venda dos seus produtos no país desde janeiro de 2021.

Por fim, o procurador do MPF pede à União, Anvisa e às empresas fabricantes indenização de meio bilhão de reais a título de dano moral e coletivo devido à disponibilização dos imunizantes a crianças sem ter havido a conclusão de todas as fases de desenvolvimento das vacinas. São réus na ação: União, Anvisa, Fiocruz, estado de São Paulo e empresas fabricantes da Pfizer, Janssen e Astrazeneca.

* Clique aqui para acessar a denúncia na íntegra

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Principais argumentos da denúncia

O argumento central da denúncia está na suposta negligência por parte da Anvisa quanto à aprovação das vacinas contra a Covid-19 para crianças num momento em que, de acordo com a petição, há baixos índices de hospitalização e mortes em crianças e que o processo de desenvolvimento dos imunizantes ainda se encontra na fase 3 (de um total de 4), ainda não sendo possível mensurar todos os efeitos colaterais dos produtos, assim como os fatores de risco relacionados. Em outras palavras, a denúncia cita que a Anvisa aprovou a vacinação para crianças sem a conclusão de estudos clínicos.

“Tentativas e erros são comuns nas etapas de pesquisa em laboratório e nos testes em modelos celulares e animais até chegar às quatro fases dos ensaios clínicos — quando a vacina finalmente é aplicada em seres humanos, para verificar segurança e eficácia. O tempo médio de desenvolvimento de um novo produto é de cerca de 10 anos”, aponta a denúncia. Citando fala de Expedito Luna, professor de epidemiologia da Faculdade de Medicina da USP, o procurador do MPF aponta que “pode haver graves consequências se o processo de desenvolvimento de uma vacina seguir por ‘atalhos’”.

Como as principais vacinas distribuídas em todo o mundo ainda estão na fase 3, que só será concluída a partir de 2023, os imunizantes foram aprovados de forma emergencial devido ao avanço em larga escala da Covid-19. Diante das possíveis limitações de dados referentes à eficácia e segurança, opositores da vacinação compulsória têm classificado os imunizantes contra o vírus de experimentais.

Paralelamente, o procurador cita estudos em diferentes países – incluindo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e da Agência de Alimentos e Drogas (FDA na sigla em inglês), ambos dos Estados Unidos, que apresentam evidências de efeitos colaterais – principalmente relacionados a doenças cardiovasculares – em menores de 18 anos supostamente relacionados aos imunizantes contra a Covid-19 em distribuição no Brasil.

Ele cita que, dos 194 países que integram a Organização Mundial de Saúde (OMS), apenas 40 já autorizaram a vacinação na faixa etária de crianças de 5 a 11 anos, sendo que em parte deles a inoculação não é obrigatória e em outros são admitidas apenas uma dose ou são vacinadas apenas crianças que não contraíram Covid.

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Por fim, denuncia que, mesmo diante do quadro de indefinições, órgãos do poder público têm interpretado a vacinação infantil como obrigatória e questiona a não responsabilização dos fabricantes por possíveis efeitos colaterais de seus produtos.

Especialistas avaliam segurança das vacinas na fase 3

De acordo com informações que constam no site do Instituto Butantan, das quatro fases para o desenvolvimento de uma vacina, a primeira corresponde à pesquisa básica; a segunda abrange testes pré-clínicos que têm por objetivo demonstrar a segurança e o potencial imunogênico do imunizante; a terceira contempla ensaios clínicos; e a quarta é a etapa em que a vacina pode ser disponibilizada à população com segurança.

Segundo Guilherme Ferreira Silveira, doutor em Biociências e pesquisador em Saúde Pública na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), há segurança suficiente para a administração das vacinas. Ele afirma que a segurança dos imunizantes é analisada nas fases 1 e 2, enquanto a eficácia é avaliada nas fases 2 e 3 e, na fase 4, são analisadas questões imunológicas da vacina – soro conversão, níveis de anticorpos, anticorpos neutralizantes. “Virtualmente, a fase 4 é finalizada quando se percebe as limitações imunológicas das vacinas. Por exemplo, a dose de reforço (terceira dose) foi indicada, justamente porque se percebeu a redução nos níveis de anticorpos circulantes em pacientes, especialmente acima de 60 anos”, diz Silveira.

Por outro lado, o infectologista Francisco Eduardo Cardoso Alves afirma que na fase inicial a segurança das vacinas é avaliada, porém nas etapas seguintes esse aspecto ainda permanece em avaliação, uma vez que os grupos que recebem os imunizantes são mais numerosos.

“Na fase 3 analisa-se a eficácia – se os anticorpos são eficazes e se não há efeito colateral relevante não visto nas anteriores, pois é feito em um grupo bem maior de pessoas. Essa fase leva mais tempo e é aqui que aceleraram a aprovação”, diz o infectologista. “Os estudos de fase 3 [da Covid-19] só vão terminar a partir de 2023. Mesmo assim, a Janssen, por exemplo [que recentemente anunciou a suspensão da produção de vacinas contra a Covid], já foi retirada do mercado sem sequer ter terminado essa fase e foi aplicada em milhões de pessoas”, afirma.

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Outro lado

A Gazeta do Povo entrou em contato com todos os órgãos públicos e empresas que foram citados na denúncia, fez questionamentos a respeito da segurança dos imunizantes no atual cenário e abriu espaço para contrapontos aos argumentos da denúncia.

A Anvisa informou apenas que foi notificada nesta quinta-feira (10) para a apresentação de informações relativas aos questionamentos da ação e que responderá ao pedido do juiz responsável pelo processo no prazo definido de até 72 horas.

O Instituto Butantan encaminhou um dossiê de estudos científicos que aborda a eficácia e a segurança da Coronavac.

A Pfizer informou que as agências regulatórias exigem estudos clínicos de fase 1, 2 e 3 para aprovações de medicamentos e vacinas. “Os estudos de fase 3, chamados de pivotais, são os que possibilitam a aprovação e comercialização do produto. Estudos de fase 4 não são parte da etapa de desenvolvimento de vacinas e são feitos pós-comercialização de qualquer medicamento ou vacina, para acompanhamento do produto”, diz o comunicado. A nota completa da empresa encaminhada à reportagem pode ser acessada por este link.

Até o momento, o Ministério da Saúde, a Fiocruz e a Janssen não retornaram aos pedidos de informação. Assim que as respostas forem recebidas, as informações serão acrescentadas nesta reportagem.

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