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O Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais decidiu arquivar uma recomendação que o próprio órgão havia enviado ao Ministério da Saúde sobre a necessidade de se regulamentar o uso de cloreto de potássio nos procedimentos de aborto nas situações em que o feto não for anestesiado antes de ser morto no ventre materno. O documento de arquivamento foi assinado pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão, Fernando de Almeida Martins, em 7 de julho. A informação foi divulgada pelo MPF na terça-feira (12).
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Segundo o MPF-MG, o arquivamento ocorreu porque houve uma resposta por parte do Ministério da Saúde à recomendação feita pelo órgão, pois a pasta se manifestou sobre o tema por meio de duas notas técnicas - o guia “Atenção técnica para prevenção, avaliação e conduta nos casos de abortamento”, lançado em junho, e também na Nota Técnica Nº 44/2022-DAPES/SAPS/MS (0027713213), que foi o documento direcionado pela pasta ao MPF para tratar do caso.
A recomendação do MPF havia sido feita após representação da Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família, em maio deste ano, com o questionamento sobre o uso da substância nos procedimentos de aborto. (Leia mais sobre a questão abaixo.)
Apesar de o guia do Ministério da Saúde não ter nenhuma referência direta ao cloreto de potássio, o secretário de Atenção Primária à Saúde, Raphael Câmara, afirmou que o tema está implícito quando o texto cita a orientação de "não provocar feticídio".
Além disso, a questão foi explicitada na Nota Técnica 44, em que a pasta afirmou que: "a Coordenação-Geral de Ciclos da Vida, por meio da Coordenação de Saúde das Mulheres, informa que o aborto no Brasil é considerado crime e que apenas nos casos com excludente de ilicitude, este pode ser realizado, e que não existe nenhuma recomendação deste Ministério para utilização do cloreto de potássio", informou o Ministério da Saúde ao MPF.
Dessa forma, segundo a nota publicada pelo MPF em seu site, "para o procurador da República Fernando de Almeida Martins, autor da recomendação, observa-se que, em que pese não haver regulamentação sobre o uso do cloreto de potássio (KCl) nos procedimentos [...] realizados no Brasil, há mecanismos de proibição de práticas que induzem ao sofrimento do nascituro/feto".
Na decisão sobre o arquivamento, o procurador afirmou também que “evidenciou-se a preocupação do Ministério, por meio da Secretaria de Atenção Primária à Saúde, em orientar profissionais e serviços de saúde quanto às abordagens atualizadas sobre acolhimento e atenção qualificada baseadas nas melhores evidências científicas e nas estatísticas mais fidedignas em relação à temática, sempre levando em conta a defesa das vidas materna e fetal e o respeito máximo à legislação vigente no país”. “Nesse sentido, por vias transversas, verifica-se o cumprimento satisfatório da recomendação expedida”, afirmou Martins.
O documento de arquivamento do MPF mencionou ainda outros trechos da Nota Técnica 44/2022 do Ministério da Saúde: “A partir da 22/23ª semana de idade gestacional, os fetos precisam ser identificados como viáveis, como detentores do direito à vida e devem receber assistência conforme a sua vulnerabilidade. A probabilidade de sobrevida a longo prazo aumenta com o aumento da idade gestacional”, afirmou a pasta da Saúde.
O MPF fez referências ao chamado "aborto legal". Mas a nota técnica “Atenção técnica para prevenção, avaliação e conduta nos casos de abortamento” do Ministério da Saúde esclareceu que o uso do termo é incorreto: “Não existe aborto 'legal' como é costumeiramente citado, inclusive em textos técnicos. O que existe é o aborto com excludente de ilicitude. Todo aborto é um crime, mas quando comprovadas as situações de excludente de ilicitude após investigação policial, ele deixa de ser punido, como a interrupção da gravidez por risco materno. O acolhimento da pessoa em situação de aborto previsto em lei deve ser realizado por profissionais habilitados”, cita um trecho do documento da pasta da Saúde.
Representação sobre uso de cloreto de potássio
A recomendação quanto à necessidade de se regulamentar o uso de cloreto de potássio nos procedimentos de aborto tinha sido enviada pelo MPF ao Ministério da Saúde após representação feita pela Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família, entidade pró-vida com atuação nacional, em maio deste ano. De acordo com a Rede, alguns médicos estariam fazendo o uso do cloreto de potássio - sem anestésico - na realização de abortos em casos de gestação com mais de 20 semanas. Ainda segundo a representação, esses profissionais de saúde se baseiam no manual da Organização Mundial da Saúde (OMS) e em um parecer do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) dado há quase 25 anos, em 1998.
Além disso, a entidade pró-vida ressaltou que a eutanásia de animais, por exemplo, exige a anestesia geral quando é feito o uso do cloreto de potássio. “Como se sabe, no caso de utilização desta substância para a eutanásia de animais, exige-se o uso de anestesia geral e, em casos de injeção letal em presos no corredor da morte, nos EUA, é obrigatório que os criminosos sejam totalmente anestesiados”, afirmou a diretora-executiva da Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família, Maria José da Silva, à época.
Apesar de todas as formas de abortamento causarem dor ao feto - que ao fim do procedimento terá morrido -, o uso de cloreto de potássio sem anestesia é responsável por sofrimento extremo naquele pequeno ser humano.
Procurada, a Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família ainda não se manifestou sobre a decisão do MPF de arquivar a recomendação.
Nota técnica do Ministério da Saúde sobre o aborto
Lançado em junho, o “manual” do Ministério da Saúde traz “abordagens atualizadas sobre acolhimento e atenção qualificada baseada nas melhores evidências científicas e nas estatísticas mais fidedignas em relação à temática, sempre levando em conta a defesa das vidas materna e fetal e o respeito máximo à legislação vigente no País”.
"O abortamento com excludente de ilicitude feito por médico não deve ser precedido de feticídio, principalmente nos casos em que houver viabilidade fetal, já que os estudos não mostram qualquer vantagem no procedimento", e ressalta o documento do Ministério da Saúde.
O texto ainda reforça que toda a tecnologia disponível deve ser assegurada ao bebê prematuro com o objetivo de garantir a sobrevivência dele. Alguns dos critérios que devem ser avaliados pelos médicos em relação à viabilidade fetal são motivo da prematuridade, idade gestacional, presença de CIUR (crescimento intrauterino restrito), uso de corticoide e peso do bebê, entre outros.
"Ao passar das 23 semanas gestacionais, inicia-se o processo de um parto prematuro onde não cabe o amparo legal que prevê a eliminação da vida intrauterina por meio da destruição do produto da concepção nos casos de violência sexual, já que, pelo seu tempo de desenvolvimento, já se daria no parto prematuro de um embrião em desenvolvimento; em razão disso, estariam resguardados pelo reconhecimento da dignidade da pessoa humana e, portanto, serem merecedores de proteção jurídica assim como asseguradas pelas disposições da Constituição da República”, explica o "manual".