Uma iniciativa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem gerado polêmica nas escolas estaduais de Campo Largo, na região metropolitana de Curitiba. Desde terça-feira, o MST começou a visitar estudantes do ensino médio da cidade para debater a crise econômica e a reforma agrária. A ação, entretanto, gerou dúvidas principalmente entre professores, que estranharam a maneira como o movimento tratou do tema. "Eles falaram mal do capitalismo, criticaram a privatização da Vale do Rio Doce, apontaram como solução da crise a reforma agrária e ainda convidaram os alunos a participar do movimento", explica uma professora, que pediu para não ter o nome revelado por medo de represálias. Para ela, o teor da conversa foi ideológico e não teve contraponto.
A entrada do MST nas escolas foi autorizada pelo Núcleo de Educação do estado por um e-mail, o qual orientava os diretores a receber os integrantes do movimento. A atividade, porém, não era obrigatória (os professores poderiam optar por não ter a palestra). O Núcleo de Educação informou que o próprio MST entrou em contato pedindo a oportunidade de debater a crise em sala de aula. As palestras fazem parte de uma ação do MST que começou há 15 dias trata-se de uma marcha (que saiu em duas frentes, uma do norte pioneiro e outra de Foz do Iguaçu) e deve chegar em Curitiba hoje com o mesmo objetivo: propor um projeto popular para o Brasil, no qual a reforma agrária seria a solução da crise. "Nos outros estados brasileiros, o movimento decidiu bloquear rodovias e fazer paralisações. Nós, no Paraná, optamos pela marcha e pedimos para fazer palestras nas escolas porque acreditamos que os futuros profissionais do Brasil, hoje estudantes, precisam entender a crise e o que é a própria reforma agrária", afirma um dos integrantes da coordenação estadual do MST Diego Moreira. O MST fez palestras em universidades e colégios em outras cidades por onde passou, mas concentrou a iniciativa nas escolas de Campo Largo a escolha teria sido aleatória.
Segundo a Secretaria de Estado da Educação (Seed), não existe problema algum de as escolas acolherem movimentos sociais, até porque é um princípio do processo educativo e da gestão democrática. "É preciso debater questões inerentes à sociedade e as escolas devem abrir suas portas para a comunidade. Entendemos que o MST traz um conjunto de elementos pedagógicos fundamentais, como realidade do campo, a questão fundiária brasileira, a pobreza, o desemprego. Cada diretor de escola tem autonomia para decidir se irá discutir isso ou não", afirma o chefe do departamento de diversidades da Seed, Wagner Roberto Amaral. Ele ainda destacou que todos os outros movimentos sociais, sejam eles quais forem, também têm a mesma chance, ou seja, poderão debater em sala de aula o assunto que trabalham. A Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep) não se posicionou nem contra nem a favor da presença do movimento nas escolas, apenas disse que o projeto que a Faep desenvolve com alunos é de formação profissional e não ideológica. "Ensinamos os filhos dos agricultores, nas escolas públicas do interior do Paraná, a trabalhar com a agricultura. Nosso foco é educação, mas se as escolas nos convidarem para debater a questão da terra, também estamos abertos", explica o assessor especial da Faep Hélio Teixeira.
Especialistas elogiam a iniciativa
As escolas estão acostumadas a receber organizações não-governamentais que falam sobre meio ambiente, água, religião, violência. Não é comum, porém, encontrar instituições que tratam de assuntos controversos (que incluem juízos de valor) nas salas de aula. Por isso os professores podem ter estranhado, conforme opina o professor e educador Ângelo Souza, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). "A preocupação dos professores deve ser a de que eles tenham condições e disposição para aproveitar o momento e dar oportunidade aos alunos de olhar criticamente o assunto. Acho salutar fazer este tipo de debate, mas é preciso mostrar as visões diferentes que envolvem o tema", diz Souza.
O educador questiona como o ser humano pode ter noção de um determinado movimento se não tiver contato direto com ele. "Os alunos precisam ter esse direito de acesso aos dois olhares. E é tarefa do professor ser isento de opinião nesta hora", afirma.
O sociólogo da UFPR Osvaldo Heller da Silva lembra ainda que a má distribuição de terras no Brasil é tema que deve ser discutido com os alunos. "Acho normal um movimento como este chamar os alunos para debater o assunto com ele. Afinal, a questão da terra é crucial para diminuir o conflito no campo", afirma.
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