Instituído em 2005, mesmo ano da política de cotas, o vestibular em duas fases foi apontado como uma barreira para a entrada de estudantes negros na UFPR, pela comissão da instituição que fez um balanço dos dez anos do Plano de Metas de Inclusão Racial e Social. Isto porque a reserva de vagas só é válida a partir da segunda fase, o que obrigava os estudantes a atingirem a nota de corte para concorrerem às cotas.
“Isso é uma coisa absurda que acontece na UFPR. Na UFRGS [Rio Grande do Sul] também era assim, e em cinco anos não chegou a entrar dez negros no curso de Medicina. Foi só mudar a regra e em um ano entraram 15”, opina Marcelo Tragtenberg, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e especialista no tema.
Foi o que aconteceu com Watena Ferreira N’Tchalá, estudante do 3º ano de Engenharia Mecânica, na UFPR. Estudante de escola pública a vida toda – fez o ensino fundamental no Tatuquara, onde mora, e o médio no Centro Estadual de Educação Profissional (Ceep), no Boqueirão – ele não passou para a segunda fase em seu primeiro vestibular, ao final do terceirão. No ano seguinte, conciliou o pré-vestibular da ONG Em Ação com um estágio e um cursinho de CAD (software utilizado em engenharia). Passou, mas ao longo do primeiro ano teve que conciliar as 44h semanais como funcionário em uma concessionária com o curso noturno, para se manter e ajudar em casa.
Em 2014, por exemplo, nenhum estudante que concorria às cotas raciais conseguiu se classificar para a segunda fase em 26 dos 117 cursos ofertados no vestibular. Dentre eles, sete engenharias, sendo quatro delas em cursos do interior do estado (nos câmpus de Jandaia, Palotina e Pontal do Paraná).
Já nos cursos de Direito, um dos mais concorridos, o número de cotistas raciais classificados para a segunda fase foi de 10 e 12 alunos, nos cursos diurno e noturno, respectivamente. Dentro os alunos com renda familiar de até 1,5 salário mínimo por pessoa, no entanto, apenas um aluno conseguiu passar da primeira em Direito, em cada um dos turnos.
Na faixa de cotistas raciais com baixa renda, o curso com maior número de classificados para a segunda fase foi o de Medicina, com 16 candidatos. O curso também foi o mais concorrido do vestibular de 2014, com 70,6 candidatos para cada vaga.
Para este ano, a UFPR mudou a regra. Considerando “que a comissão de avaliação do plano de metas sugeriu a implantação das cotas na primeira fase”, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da instituição aprovou, em 12 de agosto, resolução que muda o edital do vestibular, indicando que o número de convocados para a segunda fase deve respeitar “a categoria de concorrência”. Ou seja: cotas desde o início do processo.