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Em Rio do Sul a água demora a baixar. Suscetível às enchentes, cidade enfrenta economia de recursos para driblar o problema |
Em Rio do Sul a água demora a baixar. Suscetível às enchentes, cidade enfrenta economia de recursos para driblar o problema| Foto:

Dragagem impediu que tragédia fosse maior

O município de Itajaí, um dos mais atingidos pela enchente ocorrida ao longo do feriado, iniciou ontem a segunda etapa da ação emergencial. A prioridade passou a ser distribuir alimentos para as famílias afetadas e iniciar o desmonte dos abrigos. O nível da água caiu 2 metros entre o meio-dia de sábado e o de domingo e a maior parte das ruas está seca.

O comando unificado de ação – força-tarefa que agrega Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Exército e Universidade do Vale do Itajaí (Univali) – havia arrecadado 4 mil cestas básicas até o meio-dia de ontem. Esses alimentos estão sendo levados em abrigos e nos bairros que ficaram ilhados nos últimos dias. Cerca de 3,5 mil pessoas tiveram de abandonar a casa nos últimos dias.

Na tarde de ontem, a Defesa Civil realizou a entrega de cestas básicas e galões de água na Vila da Miséria, nome dado pelos moradores a um conjunto habitacional à beira do Rio Itajaí-Açu. O auxiliar de produção Cícero Feitosa, de 27 anos, um dos moradores, havia saído da casa com a família e se alojou com um parente. Quando retornou, na manhã de ontem, encontrou muita lama e nenhum alimento. "O que estava faltando agora chegou. Até água", alivia-se.

No ginásio da Marejada, onde foi instalado o centro de operações, voluntários ajudavam a montar as cestas básicas completas a partir das doações.

Alívio

Os itajaienses comemoram o fato de que as previsões mais catastróficas não se cumpriram. No início das chuvas, a avaliação técnica apontava uma enchente superior à de 2008, quando 80% da área urbana foi atingida. O pico da cheia, no entanto, atingiu 60% das residências – ainda assim uma das mais altas taxas de Santa Catarina. Itajaí foi um dos oito municípios a declarar estado de calamidade pública.

Por estar na foz do Rio Itajaí-Açu, esta cidade litorânea está na região em que a água abaixa por último. Além de o fluxo das marés atrasar o deságue no mar, o Rio Itajaí-Mirim – um afluente que desemboca no Itajaí-Açu dentro do perímetro urbano de Itajaí – traz a chuva de Brusque. Em caso de cheia do Itajaí-Açu, a correnteza forte impede o Itajaí-Mirim "entre" no rio principal. A sobra entra na cidade.

O fenômeno é comparado a artérias entupidas pelo oceanógrafo João Luiz Baptista, diretor do Centro de Ciências da Terra e do Mar da Univali. "Na nossa avaliação, a realização de dragagem no rio evitou que a tragédia de 2008 fosse superada. Após a enchente daquele ano, o calado no porto ficou com 6 metros, quando o normal seria 8. A dragagem aprofundou para 14 metros, o que ajudou o escoamento mais rápido", analisa.

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Itajaí e Rio do Sul, SC - O corpo do adolescente morto em Rio de Sul – um dos três mortos da enchente em Santa Catarina – foi retirado por helicóptero neste sábado, 48 horas depois do acidente. A demora ilustra o racionamento de recursos de logística adotado pelas autoridades locais. As três aeronaves à disposição do município estavam sendo prioritariamente usadas para o transporte de alimentos e resgate de moradores isolados, assim como a maior parte da estrutura administrativa dessa cidade de 60 mil habitantes, encravada no Vale do Itajaí.

Primeiro município catarinense a decretar estado de calamidade pública, Rio de Sul é particularmente sensível às cheias do Rio Itajaí-Açu. Existem duas represas próximas à cidade – nas regiões de Ituporanga e Itaió, localidades vizinhas a Rio do Sul. Em caso de cheia do rio, as comportas são preventivamente abertas e a torrente gerada encontra o primeiro obstáculo nesse município. Nesta última enchente, cerca de 85% das residências foram atingidas pela água.

No final da tarde de sábado, mesmo com a maioria das comportas abertas, ainda havia uma lâmina de água de 1 metro transbordando das duas comportas, segundo a Defesa Civil do município. Com isso, o ritmo de descida do rio era consideravelmente mais lento nesta região. Entre sexta e sábado, o nível da água havia baixado 10 centímetros, enquanto em Blumenau o recuo foi de mais de 1 metro.

Segundo vários moradores ouvidos pela reportagem, a população foi surpreendida pelo volume de águas. Os alertas iniciais indicavam que o rio chegaria a 10 metros acima do nível normal – altura considerada pouco propensa a dano – e foram sendo revistos à medida em que os acontecimentos desmentiam a previsão. O pico do Itajaí-Açu na cidade foi de 14 metros.

Por si

Uma das situações mais graves em meio a uma grave catástrofe estadual, Rio do Sul teve que contar exclusivamente com auxílio interno para superar os dias mais caóticos da enchente. Além das 1,5 mil pessoas cadastradas nos 21 abrigos, havia um impreciso número de famílias em lugares isolados, alcançáveis apenas por barco ou helicóptero. Dispondo de 18 embarcações para resgate, a Defesa Civil montou um call-center voluntário para anotar as direções a ser tomadas pelo resgate.

A auxiliar de limpeza Ma­­rilene Ortiz de Oliveira, 49 anos, caminhou até a sede da Defesa Civil, no centro da cidade, para informar que sua vizinha abrigava 20 pessoas desalojadas e precisava de mantimentos. "Vim comunicar porque o telefone dela não funciona", explica.

Apesar dos transtornos e da ocorrência de óbito, os atendimentos médicos não aumentaram significativamente, segundo a avaliação de Osmar Arcanjo de Oliveira, diretor geral do Hospital Regional do Alto Vale. "Tivemos registro de emergências relacionadas ao impacto psicológico da enchente, como hipertensão, choque e ataque de pânico. Isso ocorre principalmente em pessoas idosas", destaca.

No comércio, o esforço com a limpeza se aliava à precaução em relação aos saques. Boatos de roubos eram noticiados pela rádio local e repercutidos entre os moradores. Rolf Knaesel, 42 anos e funcionário de uma relojoaria há 28, relata ter retirado todos os produtos mais valiosos assim que o imóvel começou a ser afetado. Ainda assim, reforçou as trancas e manteve o alarme acionado. "Foi a única solução. Então perdemos somente os balcões-mostruário de madeira", avalia.

Já Antonio Bornelsen, proprietário de uma revenda de celulares e uma loja de perfumes – uma ao lado da outra – não conseguiu salvar nada. Da praça central, ele via os dois imóveis 1,5 metros embaixo d’água. "Acho que foram mais de R$ 100 mil de prejuízo em móveis e estoque", estima.

O prefeito de Rio do Sul, Milton Hobus, acredita que a mobilização dos moradores será fundamental para tirar a lama e recuperar a autoestima da população. O Ministério da Integração Nacional e o governo de Santa Catarina vão destinar R$ 1,5 milhão em recursos emergenciais para a cidade. "Em todos os lugares, vemos as pessoas com vassoura e balde na mão. Ninguém se entrega", lembra o prefeito. "O comércio perdeu muito, e a vida econômica do município ficou abalada. Mas, se você voltar daqui a 30 dias, não vai perceber que houve uma enchente aqui", garante.

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