O novo Código de Processo Penal (CPP) deve acabar com as ações penais de iniciativa privada, criar a figura do juiz de garantias e limitar ao máximo a possibilidade da medida de prisão provisória. Essas foram as conclusões tiradas pela comissão de juristas criada pelo Senado para a elaboração do anteprojeto do novo CPP, em reunião realizada na última terça-feira, em Brasília. As mudanças prometem mudar significativamente o sistema processual penal brasileiro.
De acordo com o advogado Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e um dos integrantes da comissão do novo CPP, as ações de iniciativa privada passarão a ser semi-públicas (condicionadas) levadas a cabo pelo Ministério Público (MP). Por exemplo, uma vítima de um crime contra a honra (calúnia, difamação e injúria), de ação privada, precisa hoje ingressar na Justiça particularmente. A partir da mudança, ela poderá procurar o MP, que fará (ou não, se entender que não houve crime) a denúncia. "Hoje, só quem propõe uma ação por crime contra a honra é quem tem dinheiro para contratar um advogado. Com o fim da ação privada, quem mora na favela também vai poder fazer isso, por intermédio do MP", diz Miranda Coutinho. A ação privada já não existe em alguns países da Europa.
Outra alteração sugerida é a criação da figura do juiz de garantias, que participaria das fases de investigações dos processos, mas não seria o responsável pela causa e pela sentença. De acordo com o atual CPP, o inquérito é distribuído para um juiz, que também será o juiz da causa. Assim, o juiz que acompanhou o inquérito também oferece a decisão. Ou seja, o juiz, de certa forma, acusa (produz provas) e julga. A idéia é acabar com isso, por meio da instituição de um juiz de garantias, como já ocorre em outros códigos da América Latina.
Segundo o consultor legislativo do Senado Fabiano Augusto Martins Silveira, que também integra a comissão do novo CPP, a figura do juiz de garantias contribui para dar maior imparcialidade ao juiz da causa, uma vez que este último deixaria de participar da investigação. "Quanto mais nós afastarmos o juiz da causa da condução da investigação, melhor, porque o juiz da causa será mais imparcial, será mais crítico em relação à fase de investigação, por ser um juiz que não tem compromisso direto com o modo de proceder da investigação. O juiz de garantias atuaria numa fase pré-processual e o juiz da causa examinaria tudo o que foi produzido, mas com um olhar distante, como observador crítico, e não como alguém que participou da produção do material. Isso é uma mudança gigantesca em relação ao atual modelo", salienta Martins Silveira.
Medidas cautelares
A utilização da prisão provisória foi outro ponto debatido pela comissão nesta semana. A intenção dos juristas é limitar o prazo para tal instrumento, bem como as circunstâncias em que pode ser utilizado. "Hoje temos 58 mil presos em delegacias. A situação é insuportável. A prisão deve ser a exceção. Tudo o que pudermos fazer para evitar a prisão deve ser feito", analisa Miranda Coutinho.
Assim, entre as propostas discutidas pelo colegiado, estão as que determinam que a prisão preventiva não poderá ser aplicada a crimes com pena inferior a quatro anos desde que não praticados mediante violência ou grave ameaça à pessoa. O prazo máximo, sugerido pelos juristas, durante o qual uma pessoa poderia ficar presa, está entre seis meses e 360 dias.
De acordo com Martins Silveira, atualmente, o juiz só dispõe, como medidas cautelares, da prisão preventiva, da fiança ou da liberdade provisória sem fiança mediante comparecimento a todos os atos do processo. Por isso, segundo o consultor, devem ser oferecidas outras possibilidades, como recolhimento domiciliar, suspensão de função pública ou atividade econômica, proibição de freqüentar determinados lugares, monitoramento eletrônico e interdição temporária de pessoas jurídicas que são usadas para prática de crimes, entre outras.
Prazo apertado
O coordenador do colegiado de juristas, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Hamilton Carvalhido, disse estar preocupado com o prazo exíguo para o colegiado encerrar os trabalhos e apresentar o anteprojeto dezembro deste ano. Por isso, o ministro sugeriu a elaboração de um texto integral para ser colocado em discussão o quanto antes, ao invés de se fazerem debates sobre itens específicos do CPP. Segundo Miranda Coutinho, já na próxima reunião ordinária da comissão, em 4 de novembro, há a possibilidade de se iniciar a discussão do texto do anteprojeto.