“O Ulisses percebeu que errou o caminho e começou a fazer uma manobra para voltar quando ouvimos um barulho muito forte. Era o primeiro tiro. Ele continuou na manobra. E os tiros começaram sem parar. Foram mais de 20. Tudo se passa muito rápido. Não dá tempo de sentir nada. Eu segurava a cabeça do meu marido, que sangrava muito, enquanto isso meus primos tentavam um socorro. Ouviram mais de cinco minutos de musiquinha por que a atendente disse que precisaria da autorização do médico para liberar a ambulância. Esse sentimento de impotência foi o que mais me desesperou. Graças a Deus um homem num carro velho que mal andava conseguiu nos tirar de lá”.
O relato é da pedagoga Jennifer Pinheiro, mulher do alpinista industrial Ulisses da Costa Cancela, de 36 anos, morto após ser atingido por um tiro de fuzil na cabeça quando voltava de uma festa, em Saracuruna, para casa, em Petrópolis, na Região Serrana do Rio. Segundo ela, Ulisses queria voltar pelo caminho de ida, a Estrada da Serra Velha, antigo caminho que ligava o Rio à Petrópolis, mas errou o trajeto. O acesso é feito pela BR-116 (Rio-Teresópolis), na altura de Imbariê, onde há uma entrada para a Avenida Automóvel Club e de lá para a serra.
“Ele comentou que a placa para Imbariê havia passado. Queria retornar. Eu dizia a ele para seguir em frente e esperar pelo retorno. Mas ele achou que virando naquela rua daria para retornar. Andamos por cem metros e a guerra começou. Foi um grande erro”, comentou Jennifer, acrescentando ter ajudado a Polícia Civil a localizar a rua onde estava o carro.
Ulisses havia entrado na Rua Epitácio Pessoa, na Favela do Sapê, região dominada por uma facção criminosa, em guerra com uma rival. O delegado Fábio Cardoso, titular da Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), contou que sua equipe já tem pistas dos autores dos disparos.
“Fomos comunicados às 11h do dia 10 (dia seguinte ao atentado) por um funcionário do Hospital Adão Pereira Nunes. Imediatamente, fomos até lá e fizemos a perícia técnica”, explicou.
Ulisses, sua mulher e um casal de primos foram alvos de 25 tiros de fuzil, de acordo com um colega de trabalho dele na empresa Elfe Óleo & Gás Operação e Manutenção Ltda, que fica em Macaé. Cinco tiros teriam atingido o Ford KA onde o grupo estava e um, o lado direito da cabeça de Ulisses. Segundo relato do colega do alpinista, ao ser atingido, ele sofreu um espasmo muscular, o que deixou seus pés rígidos. Por isso, o carro, que estava em marcha a ré para fugir do local foi acelerado involuntariamente, indo de encontro a um muro.
“A mulher do Ulisses entrou em desespero e começou a gritar. Traficantes foram até o grupo e repreenderam a mulher, obrigando-a a se calar. Depois, constatando que o veículo estava danificado e não conseguiria sair de lá, mandaram um morador retirar o grupo com seu carro (um Chevette). Eles foram deixados no pedágio da Concer, na BR-040. De lá, foram levados para o Hospital de Imbariê. Ulisses morreu cerca de duas horas depois”, contou o colega.
No domingo, a Polícia Civil esteve na comunidade e fez a perícia técnica. O motivo dos disparos pode ter a ver com o fato de os traficantes daquela região estarem em guerra com um grupo rival, que estaria tentando invadir e tomar pontos de venda de drogas. O grupo pode ter sido confundido com bandidos da outra facção.
Ulisses da Costa estava casado com a pedagoga Jennyfer Pinheiro há dez anos e morava em Petrópolis. Ele trabalhava desde 2013 como caldeireiro escalador na empresa Elfe Óleo & Gás Operação e Manutenção Ltda. Ele, a mulher e o casal voltavam para Petrópolis depois de participarem de uma festa.
Em sua página no Facebook, amigos postaram mensagens de pesar e de elogios à vítima. “Hoje nós estamos muito tristes, mas o céu está em festa, pois tenho certeza que você chegou lá contagiando todos com a sua alegria, e no mínimo, cuspindo fogo e fazendo drink para todos!!!!! Obrigada Deus por deixar a gente conviver com ele um pouco, vai com Deus, amigo!!!!!!!”, escreveu uma amiga. O corpo de Ulisses foi sepultado na tarde desta segunda-feira no Cemitério Municipal de Petrópolis.
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