Ponta Grossa Faz pelo menos três anos que Maria Aparecida Cardoso entrou por vontade própria para a fila da cirurgia de laqueadura pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em Ponta Grossa. Neste espaço de tempo, a dona de casa de 36 anos, que vive com os cinco filhos e o marido numa casa de quatro peças na periferia da cidade, teve duas filhas e ainda espera pela esterilização. Assim como ela, desde 2004 outras 200 mulheres ponta-grossensses submetidas à avaliação multidisciplinar que as considerou aptas à esterilização permanecem numa fila de espera que parece não ter fim. Há um mês o caso chamou a atenção do Ministério Público Federal (MPF), que agora investiga o sistema na cidade.
O caso em Ponta Grossa é alarmante. Nos últimos três anos, a cidade realizou 204 laqueaduras, enquanto o vizinho município de Castro, com 250 mil habitantes a menos, fez 628 cirurgias. Neste ano, mesmo com o aporte de R$ 20 milhões do Ministério da Saúde destinados a cirurgias eletivas, apenas uma mulher conseguiu a intervenção pelo SUS em Ponta Grossa. Enquanto aguarda pela cirurgia, as mulheres que passaram pelo processo de aprovação dependem do repasse de pílulas ou injeções contraceptíveis, que nem sempre estão disponíveis no posto de saúde.
No mês passado, Maria Aparecida teve de abrir mão do gás da casa para comprar a injeção. "Eu dependo da injeção do posto e quando não tem, preciso me virar. O que não dá é ter mais filhos", diz, com a pequena Iasmim, de três meses, no colo. Quando estava grávida de Mary, hoje com 2 anos, ela e o marido decidiram que não teriam mais filhos. Maria Aparecida procurou o posto de saúde mais próximo, informou sua decisão, preencheu formulários, participou de entrevistas, conseguiu até uma autorização do padre da comunidade e entrou para a fila das mulheres aptas à cirurgia. O tempo passou, Mary nasceu, completou um ano e Maria engravidou de Iasmin, que agora está com três meses. A dona de casa ainda aguarda pela operação.
O MPF alega que Ponta Grossa recebe mensalmente recursos para a laqueadura e que, por falta de uso, são devolvidos ao Ministério da Saúde. Já a Secretaria Municipal da Saúde afirma que as cirurgias não são realizadas por falta de local e Autorizações de Internamento Hospitalares (AIHs). "Já estamos em maio e ainda não recebemos a autorização para as cirurgias que envolvem a obstetrícia", afirma o diretor de ginecologia e obstetrícia da Secretaria Municipal de Saúde, Luiz Antônio Broglio. Segundo ele, a cirurgia de laqueadura é o caso menos importante no momento em que 116 mulheres aguardam por uma histerectomia cirurgia de retirada do útero em mulheres com problemas graves, como câncer.
Já a Secretária Estadual de Saúde (Sesa), responsável pelo repasse da verba via Ministério da Saúde, afirma que em Ponta Grossa não há hospitais credenciados para a realização da cirurgia pelo SUS. De acordo com a Sesa, nenhum estabelecimento de saúde da cidade demonstrou interesse no credenciamento para a realização das laqueaduras. A Sesa ainda faz um apelo e pede que os hospitais interessados enviem a documentação para a Regional de Saúde.
Como se não bastasse o jogo do empurra-empurra, mulheres que dependem do SUS enfrentam a desorganização do processo. A fila apresentada pela Secretaria Municipal de Saúde ao MPF é organizada por ordem alfabética, sem mencionar a chegada ou necessidade da mulher. Além disso, a perda de documentação para a cirurgia emperra ainda mais o sistema. Tereza Valença de Almeida, 32 anos e nove filhos, estava apta a realizar a laqueadura assim que nascesse sua filha caçula, em setembro de 2005. Não conseguiu naquele mês e nem em dezembro, quando foi orientada a fazer uma nova tentativa. O posto de saúde havia perdido sua documentação. Agora ela corre atrás novamente de tudo que a torne novamente apta à cirurgia. Enquanto isso, ela se previne de uma nova gravidez com métodos anticoncepcionais dados pelo posto de saúde. Quando a distribuição falha, ela tira R$ 18,00 da renda (que não chega a R$ 300) para comprar os medicamentos.