Com apenas um salário mínimo, a auxiliar de cozinha Izanete Caldas, 31 anos, coloca todas as despesas na ponta do lápis para não deixar que nada falte aos seus quatro filhos e dois sobrinhos. Apesar disso, o trabalho numa creche na Vila Sabará, em Curitiba, não rende o suficiente para todas as necessidades. O dinheiro dá apenas para a cesta básica do mês. Roupas e calçados, por exemplo, são supridos com doações da comunidade do Sabará, onde também mora. Ela sustenta sozinha sua família desde 2003, quando se separou do marido alcoólatra.
Mulheres como Izanete que chefiam a família sozinhas, dividindo-se entre a casa e o trabalho são cada vez mais comuns no país. Tanto que em Curitiba e região metropolitana elas tiveram nos últimos três anos o maior crescimento registrado desde a década de 1960. Em 2003, somavam 24,7% das mulheres trabalhadoras, de acordo com levantamento do Ipardes (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social). No ano passado, já eram 35,1%, um crescimento de 11 pontos porcentuais. Ou seja: houve, no período, um crescimento no número de mulheres que chefiam suas casas de 42,1%. Nos dez anos anteriores elas apareceram numa média de 7,2% ao ano.
Essa presença ainda pode ficar mais marcante. "A mulher tem aumentado a sua participação no mercado de trabalho, por complementação de renda ou por mudança na cultura. E vai aumentar ainda mais porque ainda têm muitas fora do mercado", diz Cid Cordeiro, economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos).
Perfil
De acordo com o Ipardes, mais da metade (60%) das chefes de família curitibanas tem 40 anos ou mais, 46% não têm um cônjuge que as auxilie, mas são mães. Outros 31% já tiveram marido ou companheiro. Além disso, metade estudou 11 anos ou mais o que corresponde a pelo menos ao Ensino Médio completo. "A população universitária é, em sua maioria, formada por mulheres", aponta o sociólogo e professor do Centro Universitário Positivo, Rafael Bezerra. "Com mais qualificação, rompe-se com a figura histórica da mulher como dona de casa. Principalmente na classe média, também começou-se a ter um posicionamento diferente sobre o casamento."
Além disso, afirma Bezerra, em casos de divórcio, a Justiça brasileira passa a guarda dos filhos para a mãe, que se vê obrigada a "dar um jeito" para sustentar a prole. "A pensão também é uma coisa que não funciona. A mãe pode ter todos os problemas do mundo, mas sempre recebe a guarda."
A gravidez precoce é vista como outro fator para o crescimento do número de mulheres que chefiam famílias. A conclusão é da socióloga e professora da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Benilde Maria Lenzi Motim, que fez um estudo de doutorado sobre o assunto em Curitiba e região metropolitana. Segundo ela, a mudança de costumes gerou um crescimento no número de mães solteiras ou separadas. "Nesses casos, a criação acaba ficando com a avó, que se transforma em chefe de família. Aí surge a necessidade de trabalhar, sem que a mãe [adolescente] tenha estrutura para isso", explica Benilde.
O estudo do Ipardes mostra que 74% das mulheres chefes de família ganham menos de três salários mínimos, o que corresponde hoje a R$ 1.050. O rendimento médio apontado pelo instituto, entretanto, é de R$ 1.039,35 em agosto passado, um aumento de R$ 160 desde 2003.
A média mais alta se deve a pessoas como a professora universitária e semioticista Arlene Lopes Santana, que tem mais que 11 anos de estudo e, com isso, garante uma renda maior do que três salários. Arlene entra ainda em outro perfil: a maioria (26%) das chefes de família trabalham em áreas sociais como educação e saúde.
Os estudos e a profissão deram a garantia a Arlene de que conseguiria criar os três filhos. Em 1991, ela e os filhos foram colocados para fora de casa pelo ex-marido. Sem familiares para dar um apoio financeiro e "com uma mão na frente e outra atrás", chegou a trabalhar 75 horas semanais. "Na época era professora de Ensino Médio, não tinha casa, móveis, nada. O nível de estresse era tão grande, que eu tremia inteira", lembra. Dois anos depois, o apartamento em que foi morar já estava mobiliado. "Podia oferecer um certo conforto aos meus filhos." Após 15 anos, a semioticista sente-se realizada. Seus filhos têm curso superior, estão casados e bem-sucedidos profissionalmente. Já Arlene comprou uma casa própria e um carro. "As mulheres não são tão frágeis assim. Elas conseguem sobreviver sem a ajuda de um homem. Foi um grande aprendizado e tenho orgulho dos resultados", afirma.