Algo de errado não está certo, diria um amigo. Após gastar muito tempo e munição contra seus iguais, os homens se voltam contra os seus próprios animais de estimação, tentando causar mais danos aqueles que já passam por maus bocados em mãos humanas.
O “melhor amigo do homem”, como carinhosamente são chamados os cães, vêm sofrendo muitos ataques. Quando não são abandonados (170 mil estão nessa condição, no país), acabam manipulado de todas as maneiras: castração, injeções anticoncepcionais, amputação da cauda e outras coisas mais.
Junto ao “caos nosso de cada dia”, recebemos, em tom de comédia – não poderia ser de outra maneira –, a notícia de que vereadores da cidade de Penha, litoral catarinense, tinham aprovado por unanimidade uma lei que prevê multa de até R$ 47 mil por causa do barulho dos cães. Não sei se para os cãezinhos havia ficado claro se eles ou os donos é que pagariam a multa. Eu mesmo estava intrigado com o Obama, meu pet. Dia desses, pensei em oferecer R$ 10 para que ele fosse comprar a própria ração, já que não queria a que eu trouxe. Mas, como poderia mastigar a nota, tive que eu mesmo trocar sua comida.
A lei que considera infração provocar ou não impedir o barulho do animal foi aprovada no último 17 de agosto; recebeu veto do prefeito municipal em 28 e voltou para análise na Câmara Municipal.
Creio que é porque o país está indo muito bem, ou seja, não há problemas mais graves para se observar, que o vereador Everaldo Dal Posso decidiu que seria melhor causar uma peripécia, com a qual todos corroboraram prontamente. Será que nenhum deles possui um cãozinho? O que uma pessoa dessas diria ao chegar em casa? “De hoje em diante você não pode latir mais”. Seu pet entenderia. Afinal, é preciso um bom convívio, não é mesmo?
Há, contudo, o outro lado da questão. Não sou advogado dos animais, mas, veja bem, em festas de fim de ano, comemoração da vitória do time do coração, casamentos e outros eventos, nos quais fogos e rojões sobem aos céus – inclusive de Santa Catarina –, agridem a frágil audição canina. Que reclama, na sua linguagem, mas não é atendida. Bem pode ser que a “Revolução dos Bichos” de Orwell venha a acontecer em nosso tempo. Aguardemos.
Suponhamos que um ladrão tente invadir sua casa (a dos humanos, é claro). Então, o cão de guarda, sempre valoroso em afastar a malandragem, não pode – aliás, não deve – latir, avisando seu dono, pois assim fazendo, dará um prejuízo de quase R$ 50 mil reais ao homem, que poderia perder até menos se fosse roubado.
Alguém já fez um estudo detalhado – em Penha pelo menos – do porquê os cães latem, uivam e rosnam? Quais os horários de maior incidência? Se mais grave ou mais agudo? Se estão com fome ou até mesmo com dor?
Em 2019, havia cerca de 54,2 milhões de cães no Brasil. Se a moda pega, logo os cofres públicos estariam abarrotados por uma indústria de multas do reino animal. Espero que as aves, os pássaros, não caiam nessa armadilha também. Como seria triste acordar sem o canto do trinca ferro em minha janela – ele não está preso, mas vem mesmo assim.
Em tempos de pandemia, toda loucura é pouca, e o barulho que mais toleramos sempre será o nosso. Precisamos urgentemente trazer mais seriedade ao debate, soluções que sejam mais harmoniosas entre seres humanos e os que, invariavelmente, dependem deles também, como os animais e toda a natureza.
Caso contrário, o ditado pode ser outro: cão que ladra, não morde, mas paga multa.
*Luiz Dias é pastor e escritor. Autor dos livros “Das janelas”, “Poesia, enigmas – e algo mais”, “Ganav”, “A História do Ladrão da Cruz” e “Sinais de Vida na Igreja”.
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