Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) acabou com a obrigatoriedade de o motorista infrator pagar a multa antes de recorrer da cobrança em todas as instâncias possíveis. Aprovada em outubro do ano passado, a súmula vinculante 21 pôs fim à necessidade de pagamentos prévios para que um recurso administrativo seja levado adiante. A decisão deverá provocar um congestionamento de processos em conselhos de trânsito que julgam recursos em última instância. Caso a medida resulte em morosidade do sistema, também poderá provocar retrocesso na fiscalização do trânsito, segundo especialistas.
Segundo o advogado Marcelo José Araújo, consultor e professor de Direito de Trânsito, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) só oficiou os Conselhos Estaduais de Trânsito (Cetrans) na semana passada. Ele avalia a decisão com cautela. "Como conquista do estado democrático de direito é um grande avanço. Mas, se os órgãos de trânsito não se prepararem para atender a demanda, pode contribuir com a impunidade", diz.
Por um lado, a medida será benéfica para os motoristas. "Empurrar para a frente acaba sendo um grande negócio para o motorista. Naquele período não tem pontos nem multa", diz Araújo. Por outro lado, poderá prejudicar o comércio de veículos e o serviço de locação. O advogado explica que será mais difícil vender carros com multas e processos pendentes; já o setor de locação poderá ter complicações, caso os clientes decidam pagar a multa só após recorrerem à última instância.
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) diz que o motorista pode recorrer da multa, em primeira instância, à Junta Administrativa de Recursos de Infrações (Jari) sem pagar a cobrança caso o pagamento seja feito antes do desenrolar do processo, ganha desconto de 20%. Contudo, se a decisão mantivesse a infração e o motorista optasse por recorrer em última instância, o pagamento deveria ser efetuado. "O pagamento servia como barreira para entrar com novo recurso. Como está agora (com a súmula vinculante), tanto faz. Deixou mais fácil prorrogar o pagamento", afirma Araújo.
Reestruturação
A Associação Nacional dos Detrans (AND) avalia a possibilidade de reverter a súmula. "(A súmula) nos igualou a todos os processos administrativos. Não excepcionou os recursos de natureza de trânsito. Isso não foi pensado na hora do julgamento", afirma a presidente do AND, Mônica de Queiroz Melo. "Hoje, resta cumprir. É uma decisão que enfrenta o próprio CTB. Não temos como contestar."
Marcelo Araújo acredita que a nova medida causará um inchaço no número de processos a serem julgados pelos Centrans e pelo Contran. "Esses órgãos terão de se reestruturar e buscar suporte nos próprios órgãos municipais e estaduais", comenta. Ele defende investimentos em tecnologia, espaço e recursos humanos para que o volume de processos não atrapalhe a aplicação das multas. "Os Detrans e os governos terão de dar apoio aos Cetrans para ter estrutura para receber processos e julgá-los no prazo", diz Mônica.
Pontuação
A avaliação é que a multa só deverá ser cobrada em um ano ou mais. A demora poderá gerar maiores prejuízos ao trânsito, já que a não aplicação da multa no prazo de 12 meses faz com que os pontos referentes à infração não sejam incorporados à Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Embora considere que a nova determinação não vá afetar o comportamento do motorista, a psicóloga Iara Thielen, coordenadora do Núcleo de Psicologia do Trânsito da Universidade Federal do Paraná, vê a questão da pontuação como um grande prejuízo. "Se isso existir, é um desastre. Tudo aquilo que foi conquistado no CTB vai por água abaixo. É um retrocesso inaceitável. Será um caos", critica. Para Mônica Melo, é preciso buscar uma alternativa para que o desconto dos pontos na CNH não seja comprometido. "O infrator continuará fora da lei. A lentidão pode gerar a impunidade", avalia.