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Políticas e projeções

Mundo chegará a 10 bi de habitantes? Qual o papel das famílias na “era” do declínio populacional

Imagem ilustrativa. (Foto: Unsplash)

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A "era" do declínio populacional pode ocorrer mais cedo do que o esperado. É o que prevê uma nova análise publicada na revista The Lancet, que destoa das projeções da ONU de que a população mundial chegaria a 11 bilhões até o fim do século. O estudo, em contrapartida, sugere que o mundo nem mesmo alcançará a cifra de 10 bilhões de pessoas; já em 2064 alcançaríamos o pico de 9.73 bi. A queda demográfica se daria, inclusive, em países onde as taxas de fecundidade atualmente são altas.

Em 2064, o Brasil alcançaria no máximo 235 milhões de habitantes, afirma o estudo, e cairia para 165 milhões até 2100. Isso também destoa das projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cujo prognóstico é de que o Brasil chegue a um pico de 228 milhões de habitantes em 2048.

Os pressupostos são vistos como bastante ousados por muitos pesquisadores. "Quanto maior o horizonte de uma projeção e quanto mais parâmetros são colocados nos pressupostos, como ocorre no estudo, mais incertezas se tem. Pois são parâmetros que não se pode controlar", afirma Leila Ervatti, pesquisadora da Gerência de Estudos e Análise da Dinâmica Demográfica do IBGE.

Em que pese as chances de que os números exatos não se cumpram, demógrafos afirmam com alto grau de segurança acerca da tendência à qual o mundo está fadado: a queda global das taxas de fecundidade. O declínio populacional está fortemente associado a maior participação da mulher no mercado de trabalho, maior acesso à escolaridade e à contracepção.

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Por um lado, tal queda demográfica é vista com "entusiasmo" por parte dos especialistas que temem a tensão relacionada aos recursos naturais. O declínio populacional, portanto, traria boas notícia para o meio ambiente, com menos poluição e emissão de carbono. Eles também veem o crescimento da população como um “problema”, responsável pela fome, pobreza e desequilíbrio mundial.

Uma nova dinâmica na qual a população é menor e com uma estrutura etária envelhecida, contudo, como devemos ser nas próximas décadas, trará enormes desafios econômicos e sociais, com potencias impactos preocupantes. A tendência é de queda no crescimento econômico e aumento do peso sobre as contas públicas, à medida em que as sociedades tiverem de lidar com menos trabalhadores e contribuintes. Experiências de países que já enfrentaram o dilema, como os europeus, revelam que o sistema social não consegue "pagar a conta" da longevidade. Há, além disso, questões de ordem sociais como a lacuna intergeracional.

De acordo com dados do IBGE, houve um aumento de 24% do número de beneficiários da seguridade social em apenas 22 anos - entre os anos de 1990 e 2012.

De políticas liberais de imigração à proibição do aborto, estudiosos se debruçam sobre possíveis soluções para contornar os dilemas demográficos. O futuro dependerá das estratégias que serão implementadas e, nesse sentido, especialistas apontam que o melhor caminho é reconhecer o papel das famílias, consideradas a base da sociedade pela Constituição Federal, como agentes sociais e, portanto, tê-las no centro da agenda das políticas públicas.

Equilíbrio trabalho-família

A fim de que uma geração seja substituída sem que haja declínio populacional, é necessário alcançar uma taxa de reposição de 2,1 filhos por mulher. Isso é, duas crianças substituem os pais e a fração 0,1 é necessária para compensar indivíduos que morrem antes da idade reprodutiva.

No Brasil, no entanto, a atual taxa de fecundidade é de 1,72 filho por mulher - cifra que deve dificultar o restabelecimento demográfico. "No Brasil, temos observado a queda da fecundidade há muito tempo, desde a década de 60", afirma Leila. "Alguns estados que já estavam com fecundidade muito baixa, como no Sul e Sudeste, deram uma pequena recuperada".

Segundo especialistas, esse cenário se deve também, em especial, a um sistema social no qual a maternidade acarreta penalidades à carreira profissional das mulheres, promovendo o desequilíbrio trabalho-família.

"O importante, na minha opinião, é perceber que a sociedade de hoje criou um sistema social no qual é muito difícil ter filhos", afirma Ignacio Socias, diretor na International Federation for Family Development (IFFD), que possui status consultivo na ONU.

Ângela Gandra, secretária nacional da Família no Ministério da Mulher, da Família e de Direitos Humanos, também aponta para essa conjuntura. "Infelizmente, a maternidade hoje, para nós, não é um bem. A maternidade sofre bullying. Se uma mulher tem filho logo após casar, perguntam a ela o que aconteceu de errado. Se outra mulher engravida do terceiro filho, perguntam se ela ficou louca, se não tinha o que fazer", diz.

Para a secretária, é preciso dar espaço novamente à cultura da maternidade. "Quando se sofre bullying e se vive em uma sociedade utilitarista, com certeza não haverá desejo por ter filhos. Mas é preciso pensar nos filhos como um bem, uma riqueza social, econômica e cultural. É uma consequência natural do amor humano. A sociedade civil só existe porque existe a família. É uma total inversão de valores quando o ser humano evita o que lhe seria mais próspero".

Como mostrou a Gazeta do Povo, no Brasil, mulheres com filhos tendem a ganhar, em média, R$ 555 a menos do que as que não são mães.

"Casais jovens são forçados a gastar muito tempo em educação, consolidação profissional e integração social. Estudos sucessivos da OCDE, por exemplo, mostram que a diferença entre a fertilidade desejada e a fertilidade real é um fato: os jovens gostariam de ter mais filhos do que têm, mas muitas vezes não têm tempo e recursos para realizar esse direito", afirma Socias.

Em resolução, a ONU aponta o caminho: políticas de equilíbrio trabalho-família, que forneçam subsídios capazes de promover um ambiente favorável a mulheres que desejem ter filhos e estar no mercado de trabalho ao mesmo tempo.

Por exemplo, assegurar licenças maternidade, paternidade ou parental, sem prejuízo de emprego ou salário. No Congresso Nacional tramitam ao menos seis propostas que tratam do tema. Um dos impasses associados à medida, contudo, são os dispêndios que podem ser gerados aos empregadores.

"Em geral, são políticas que tornam o mercado de trabalho mais flexível, para que mães e pais possam desfrutar da licença parental quando tiverem filhos, e depois voltarem a um trabalho que não incorre em penalidades por ter sido mães e pais", afirma Socias. "Nas circunstâncias atuais, ter um filho não deve ser financeiramente prejudicial, uma desvantagem profissional ou discriminação social. A maioria dessas crianças será responsável no futuro pelos cidadãos, e toda a sociedade se beneficiará, não apenas seus pais ou familiares".

Permitir aos pais modalidades de trabalho flexíveis, como o teletrabalho, acentuado pela pandemia do novo coronavírus, é outro entre os fatores indicados pela ONU para a promoção do equilíbrio trabalho-família. Além disso, o órgão incentiva estados-membros a promoverem iniciativas que favoreçam à equidade das responsabilidades do lar, nas tarefas nao remuneradas.

Relatório da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, de 2019, revela que "há uma disparidade relevante no tempo gasto nas tarefas de cuidado não-remuneradas no ambiente doméstico, entre homens e mulheres: no Brasil, as mulheres dedicam em média o dobro de tempo que os homens nessas atividades".

"É necessário terminar com a aprovação social do absenteísmo do homem na família: criar os filhos deve ser uma tarefa conjunta de pais e mães, entre outras coisas, porque somente assim uma educação abrangente pode se tornar realidade", destaca Ignacio Socias, do IFFD.

À vista disso, a Secretaria Nacional da Família tem apostado em políticas que incentivem empresas a serem "familiarmente responsáveis". No último ano, criou o programa Selo Empresa Amiga da Família, cuja proposta é "fomentar e reconhecer a adoção de práticas organizacionais de equilíbrio entre trabalho e família pelas empresas brasileiras, tanto privadas quanto públicas". São levadas em conta boas práticas de licença-parental, flexibilidade de horário, estrutura de trabalho favorável às mães (salas de amamentação, por exemplo).

Também nesse sentido, o governo, no âmbito do Programa Município Amigo da Família, premiará experiências exitosas "na implementação de políticas familiares nos municípios por meio de uma certificação".

"Incentivar a implementação de políticas públicas que tenham como foco a família, orientadas a favorecer as relações familiares, visando o fortalecimento de vínculos conjugais e intergeracionais, reconhecendo que os bens relacionais e o capital social familiar, gerados no interior das relações de plena reciprocidade entre os sexos e entre as gerações, merecem proteção, à medida que tornam os indivíduos pessoas humanas e capazes de assumir papeis sociais e, consequentemente, estão na origem de uma convivência social mais justa e solidária", propõe.

Outras políticas podem ser tomadas no âmbito fiscal, com o intuito de proteção de renda das famílias.

Lacuna intergeracional e solidariedade

Países tendem a pensar, em um primeiro momento, nos desafios que uma estrutura etária predominantemente idosa traz à realidade econômica de uma nação. Mas problemas sociais como a lacuna intergeracional têm atraído cada vez mais a atenção de especialistas.

"Dentro desses gaps, estão faltando jovens. O país vai envelhecendo e as poucas crianças que vão nascendo acabam tendo uma interação social deficitária", afirma Ângela Gandra. "Há, nesse sentido, um crescimento pouco saudável. Chega uma hora que pesam tanto os mais velhos que a sociedade prefere que eles morram, ou os coloca no asilo, pois não há preparação social solidária pra isso".

Políticas solidárias adotadas por países como a Itália, cuja estrutura etária é superenvelhecida, demonstraram efeito, sobretudo, durante a pandemia. O país apostou em facilitar a moradia de jovens em condomínios desde que eles promovam interação intergeracional com idosos que residem no local.

"Uma grande lição desses tempos é que, como já estava sendo anunciado nos países do primeiro mundo, negligenciar as tarefas de cuidar da família inclui pessoas que nos deram tudo o que temos. É necessário recuperar o vínculo intergeracional e encontrar maneiras práticas de demonstrar que toda a vida humana é igualmente importante", lembra Socias.

Meio ambiente e migração

Políticas mais liberais de migração também são apontadas como uma das chaves para lidar com o declínio populacional iminente. No relatório, os pesquisadores de Washington afirmam que países que adotarem medidas dessa natureza devem conseguir manter sua força de trabalho.

São medidas que podem contribuir temporariamente, mas não são uma solução a longo prazo, uma vez que o declínio no número da população acabará se manifestando e outros desafios associados à migração devem surgir.

Para Ângela Gandra, "ainda que a imigração seja um direito humano, uma das vertentes que é preciso pensar é a identidade, em cultivar as tradições. A extinção de um povo por não ter filhos é falta de riqueza cultural para o mundo, de diversidade cultural".

Questões de ordem ambiental, ainda para a secretária, deveriam ser valorizadas em segundo plano. "Acredito muito mais no poder criativo de cada ser humano do que na preservação de algo que talvez ninguém vá poder usufruir. Não adianta pensarmos em um planeta do qual vamos usufruir melhor se não nos dermos bem, entre seres humanos. Grande parte da problemática do mundo é o relacionamento humano e, se não estivermos abertos às relações intergeracionais, não teremos um planeta bom", afirma.

"O 'material' está num grau do 'grau de ser' muito menor do que um ser humano - que é criativo, é racional. Se para preservar um planeta eu evito seres humanos, isso me parece realmente falta de hierarquia filosófica antropológica. Se faço isso, tiro o próprio criador da sustentabilidade, que é o ser humano. Onde encontraremos esforço para solucionar problemas humanos? Não podemos inverter nossa própria hierarquia do grau de ser, isso terá um enorme impacto social antropológico"

Nas palavras de Socias, é "egoísmo" pensar que, se formos uma população menor, viveremos em um planeta melhor. "Especialmente porque a experiência nos diz que o que realmente melhora nossa condição é usar os recursos de maneira inteligente", afirma Socias.

"É preciso rever nossos valores. A Covid-19 está nos fazendo ver o valor do ser humano, o valor de um familiar que não podemos ver, de uma vida ceifada. Vimos que, de repente, toda a riqueza que temos é encerrada dentro de casa. Essa discussão malthusiana sobre planeta me parece medo de ter que ajudar o próximo, de ser solidário. Temos que criar uma nova cultura, de celebrar a vida, a maternidade, e mais o ser humano do que bens materiais. É preciso voltar a valorizar a vida", conclui Ângela.

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